Sábado, sol e um convite nos levava a um ônibus com destino desconhecido. Haviam apenas algumas informações, fragmentadas, que compunham nosso imaginário sobre o paradeiro, a primeiro delas, constituído apenas por um substantivo: fronteira.
De acordo com as definições, fronteira diz respeito a uma delimitação territorial, demarcando o limite espacial entre lugares, atribuído por meio de determinados conceitos, há ainda uma denominação abstrata para esse termo, compreendida através de aspectos subjetivos. Em meio a essa polaridade, divagamos sobre as possíveis atribuições, o que não esperávamos era que essas duas definições pudessem se entrelaçassem de maneira tão estreita como nas histórias transformadoras contadas pelo artista e articulador Antônio Hermes, idealizador e organizador do Instituto N.U.A.
O Instituto Nova União da Arte (NUA) foi fundado em meados de 2005 com o propósito de fortalecer o desenvolvimento social do Jardim Pantanal, situado na Zona Leste de São Paulo, divisa com Guarulhos. A condição fronteiriça da comunidade agravou sua condição de anonimato, sobretudo pelas gestões municipais que negavam a responsabilidade sobre o território. Demarcado pelos muros da CPTM de um lado e pelo Rio Tiete do outro, a região demonstrava traços latentes de miséria, marcado por índices altíssimos de criminalidade e pobreza. Além disso, a insalubridade dessa região de várzea era realçada pela presença do lixão que percorria parte significativa do seu território.
Antônio Hermes, fundador e principal estruturador do instituto, viu a maior transformação da sua vida acontecer através da arte. Vindo do Ceará com apenas 16 anos, Hermes carrega uma história de superação que conta com um histórico de criminalidade e envolvimento com drogas. Após dez anos preso descobriu, com pedaços de madeira e um cortador de unha, uma maneira de mudar sua vida. Suas esculturas logo repercutiram e se desdobraram em oportunidades, por meio delas Hermes conseguiu sua condicional e, com algum apoio, passou a ministrar cursos e exposições de seu trabalho.
A sede de transformação transbordou para a comunidade, a vontade de renovar e dar esperanças e oportunidade as pessoas se materializou através do N.U.A.
Fomos recebidos com um maravilhoso café da manhã no galpão que hoje sedia a organização, uma diversidade em pães, salgados, doces, bolos produzidos pelos envolvidos com o projeto com suprimentos da horta comunitária criada na região. Uma conversa e uma oração sucederam uma caminhada pela comunidade, havia uma distancia imensurável entre a imagem construída pelos relatos e fotografias e as transformações promovidas pelo projeto, os índices de criminalidade e mortalidade por violência despencaram e o terreno, que antes abrigava o lixão, hoje sustenta um lindo jardim.
Envolvida por muros coloridos, a horta comunitária é abastecida com uma variedade enorme de frutas, verduras e legumes além de um sistema de compostagem e outras tecnologias sustentáveis, advindas da permacultura, extremamente eficientes. Logo a frente, Hermes nos mostrou com orgulho nos olhos a primeira sede do instituto, onde hoje acontece semanalmente aulas de dança, teatro, música e outras atividades para crianças e adultos.
O que num primeiro momento nasceu como uma intenção, ao se tornar ação abarcou uma onda de transformações gigantescas. O que foram as primeiras aulas de marcenaria e desenho, confecção e costura se transformaram em ferramentas de comunicação e, sobretudo, interlocução. A possibilidade de diálogo e articulação entre os agentes atuantes na comunidade possibilitou uma harmonização coletiva que só se engrandece. Hermes diz com toda convicção do mundo sobre o valor e o poder da transformação contido nas mãos dos homens, como iniciativas e diálogos são capazes de estreitar laços, diluir barreiras e romper fronteiras