Por que as cidades não são seguras para as mulheres?
Historicamente, o espaço urbano reflete as divisões de papéis tradicionais entre os gêneros, que reservam à mulher o âmbito doméstico e ao homem os espaços públicos. Como consequência, nossas cidades são planejadas e construídas por homens e para os homens e reproduzem, assim, as relações de poder e dominação entre gêneros.
Atualmente, vivemos em um conflito entre a maneira com a qual a sociedade está se consolidando e o espaço em que ela está inserida. Essa divergência pode ser melhor interpretada ao entender as mudanças que ocorreram da passagem do século XX ao XXI, ou seja, da sociedade moderna para a sociedade contemporânea.
A sociedade moderna, como Zygmunt Bauman afirma em seu livro Modernidade Líquida, foi marcada pela concepção de um homem universal, que seria aquele dotado de razão e inserido na lógica da produção industrial.
Os projetos da cidade moderna seguiram essa concepção de homem. Tais projetos, principalmente os que trabalham a questão do espaço público e da relação entre o público e o privado, invocaram um desejo por fazer deste espaço aquele que abriga este homem universal e, muitas vezes, desconsideraram as dinâmicas naturais e diferenças socioculturais do próprio espaço urbano.
Tal modelo de cidade não abrange todo a pluralidade que a sociedade contemporânea traz consigo. Essa é marcada justamente por uma maior fluidez quando comparada à anterior. A “racionalidade” transforma-se em “racionalidades”, a obediência em libertação, a massa em individualidade.
Assim, para pensar esse “novo modelo de cidade” que tem de conviver com a cidade já existente, é necessário lançar um olhar e criar um cenário que realmente acolha todxs xs moradorxs. Algo que difere muito dos anseios modernos de padronização dos cidadãos, que saiba respeitar a pluralidade e entender as demandas.
Para isso, acreditamos que um bom caminho de análise é buscar compreender a maneira como a questão de gênero está inserida no desenho da cidade. Boa parte das problemáticas que se identificam na cidade contemporânea estão justamente associadas a esse olhar lançado quase que exclusivamente pelo homem e ao homem, deixando de lado o gênero feminino, considerando que este vai muito além do “universo das mulheres”. É necessário englobar esse gênero em toda a sua pluralidade.
Sendo assim, os projetos que antes miravam apenas nas necessidades daquele homem universal, o único contemplado com o pleno direito à cidade, tornam-se insuficientes no que diz respeito a pluralidade contemporânea.
Tomando como base essas motivações, o trabalho aborda a questão do “fazer” o espaço público “pensando” sob a lógica do gênero feminino, visando entender e consolidar o espaço urbano de uma forma que seja realmente democrática.
Esse trabalho gerou dois produtos: um livro com a base bibliográfica de projetos que foram utilizados como estudo ao longo do desenvolvimento do trabalho; e uma cartilha voltada principalmente para estudantes de arquitetura e urbanismo com diretrizes de como projetar a partir da perspectiva de gênero na cidade já consolidada de São Paulo.
Como projetar em uma cidade já consolidada a partir de uma perspectiva de masculina?
Fachada Ativa: muitos dos espaços residuais da cidade são aqueles para os quais os edifícios dão suas costas, onde ficam áreas como lavanderias, banheiros, escadas, elevadores e muros. Essa hierarquização das fachadas é problemática, haja visto que os usos dos edifícios devem se relacionar com a cidade. Para que isso se dê de forma qualitativa, devem existir usos variados nas fachadas ao longo do dia e da noite, possibilitando que o transeunte veja e seja visto.
Creches | PLaygrounds | Esportes: pensar em equipamentos voltados às crianças é também uma forma de dinamizar a rotina das mães, que ainda são, majoritariamente, únicas responsáveis pelo cuidado dos pequenos, principalmente na periferia. Criar uma rede de creches,praças e parques está intimamente ligado à independência da mulher. Quanto ao desenho, além de quadras poliesportivas, é necessário ter um espaço com desenho mais orgânico, a fim de abrigar brincadeiras de grupos menores e socialização em geral.
Vida Noturna | Iluminação: quando a noite cai sobre a cidade, esta se torna hostil. Isso se dá devido à quase que inexistente iluminação pública e vida noturna, ou seja, faltam comércios noturnos e sobram muros e becos sem iluminação. Essa precariedade resulta em assaltos, sequestros, estupros e homicídios, causando uma permanente sensação de insegurança, principalmente às mulheres, que acabam por evitar espaços públicos após o anoitecer. Uma iluminação pública voltada para os pedestres somada à iluminação existente voltada para os carros, já faria grande diferença nesses espaços.
Acessibilidade: portadores de necessidades especiais, assim como idosos e pessoas com crianças de colo e carrinhos de bebê têm direito à uma cidade plenamente acessível. Além das travessias em nível, pisos táteis, rampas e corrimãos, simples mudanças no desenho de equipamentos públicos podem incluir ou excluir pessoas. Por exemplo: bancos das praças com braços e encosto são mais confortáveis para os idosos, facilitando sua locomoção.
Banheiros Públicos: apesar da falta de banheiros de fato públicos na cidade, os homens usufruem desse espaço simplesmente porque, tanto social quanto culturalmente, é aceitável que eles usem a própria cidade como banheiro – o que não é permitido para as mulheres. Esse fato também se relaciona com o não pertencimento da mulher à cidade na medida em que o simples fato de não ter banheiro público, seguro e limpo disponível afeta a escolha destas de ocupar ou não os espaços públicos.
Comércio | Uso misto: usos diversos no nível da rua transmitem segurança ao pedestre. para que o comércio seja utilizado dessa forma, ou seja, a favor dxs cidadãxs, mesclar usos diurnos e noturnos nas quadras tem o satisfatório resultado de aumentar a sensação de segurança de quem transita por esses espaços. no lugar de largas extensões compostas apenas por residências muradas, mais lógico é unir comércios às habitações, intercalando esses usos ao longo das ruas da cidade. Essa mudança deve ser apoiada pela criação de uma legislação que incentive essa coexistência.
Transporte Público | Fluxos: o transporte público como mercadoria também agrava o não pertencimento da mulher à cidade. isso porque as empresas responsáveis, sejam elas públicas ou privadas, preocupam-se com o lucro gerado e não com a qualidade do serviço prestado axs cidadãxs. como consequência, os ônibus, trens e metrôs superlotados tornam-se locais propícios para o assédio. Assim, repensar o desenho, ampliar as linhas e ter um maior controle sobre a quantidade de passageiros nesses transportes tornaria a locomoção mais convidativa para as mulheres.
Assistência à mulher: em uma sociedade em que o feminino é continuamente oprimido, o poder público deve oferecer equipamentos que forneçam informação, apoio físico e emocional às mulheres – cis e trans – os quais devem ser implantados por toda a cidade. esses centros de apoio à mulher podem agregar delegacias da mulher e centros de referência lgbtqia+, como ferramentas de auxílio à construção igualitária da cidade.
Grupo 20: Diego Petrini, Fabíola Avamileno, Giulia Giagio, Heloísa Oliveira, Lais Silva
Orientador: Rafic Farah