“Uma cidade que negligencia a presença da criança é um lugar pobre. Seu movimento será incompleto e opressivo. A criança não pode redescobrir a cidade a não ser que a cidade redescubra a criança.” (EYCK, Aldo Van)
O crescimento das cidades pós revolução industrial e os decorrentes projetos de planejamento urbano foram, pouco a pouco, expulsando as crianças das ruas. Em meados do século XX, o arquiteto holandês Aldo Van Eyck já se incomodava com a ausência da infância na cidade e dedicou treze anos de trabalho, na prefeitura de Amsterdan, para desenhar cerca de setecentos playgrounds, que passaram a fazer parte do cenário urbano. Parquinhos que serviam não apenas para o lazer das crianças, mas de passagem e estar para adultos e pontos de encontro para famílias.
Se na Europa reconstruída pós guerra a criança tornou-se ausente da vida urbana, na cidade contemporânea o cenário é ainda mais perturbador. Nas grandes metrópoles, como São Paulo, a grande maioria das crianças vive aprisionada nos muros de suas casas, condomínios, escolas, shopping centers e centros de lazer. O seu trânsito na cidade é predominantemente muito rápido, sendo reduzido ao simples deslocamento e confinado dentro do carro ou do transporte público. O caminhar pelas calçadas e ruas e a permanência em espaços livres da cidade é sempre muito limitada, o resultado é que se consolidada na contemporaneidade uma cidade de adultos, na qual estes que têm circulação livre, participam e opinam sobre sua configuração. Já os desejos da criança raramente são ouvidos e sua presença é claramente delimitada aos espaços do brincar, como os parques e os espaços educativos, como as escolas.
Nesse contexto, há uma série de discussões e iniciativas, ao redor do mundo, centradas na busca pelo retorno da criança à cena urbana cotidiana. Um bom exemplo disso é La Cittá dei Bambini, ONG criada pelo psicopedagogo e cartunista italiano Francesco Tonucci. Tonucci aposta na transformação das cidades a partir da presença da criança, pois acredita que uma cidade na qual as crianças participam e têm autonomia para se movimentar é uma cidade mais diversa, mais limpa, mais gentil, mais saudável. Uma cidade que respeita a criança no espaço público é uma cidade mais humana e democrática.
Mas se por um lado Tonucci deixa claro que a motivação da sua iniciativa não é apenas educadora, ela é política, pois uma cidade para a criança é uma cidade para todos, por outro ele reconhece na escola papel fundamental para a reinserção da criança nas ruas, uma vez que o caminho de casa para a escola é o percurso urbano que faz parte do seu cotidiano.
Pensando a cidade como território vivo, permanentemente concebido, reconcebido e produzido pelos sujeitos que a habitam, a cidade precisa da criança para ser uma cidade completa.
E a criança precisa da cidade, não apenas para se mover, para brincar ou estudar, mas também para se educar como cidadã. Prova disso é que a formação, promoção e desenvolvimento de crianças e jovens seja prioridade no conceito de Cidade Educadora, fundado em 1990.
“A cidade será educadora quando reconheça, exerça e desenvolva, para além das suas funções tradicionais (económica, social, política e de prestação de serviços), uma função educadora, isto é, quando assuma uma intencionalidade e responsabilidade, cujo objectivo seja a formação, promoção e desenvolvimento de todos os seus habitantes, a começar pelas crianças e pelos jovens. O grande desafio do século XXI é investir na educação de cada indivíduo, de maneira que este seja cada vez mais capaz de exprimir, afirmar e desenvolver o seu próprio potencial humano. Potencial feito de individualidade, construtividade, criatividade e “sentido de responsabilidade assim como de um sentido de comunidade – capacidade de diálogo, de confrontação e de solidariedade. Uma cidade será educadora se oferecer todo o seu potencial de forma generosa, ”deixando-se envolver por todos os seus habitantes e ensinando-os a envolverem-se nela.“ (Carta das Cidades Educadoras, Barcelona, 1990)
O papel educador da cidade também é reconhecido pela arquiteta e pensadora da arquitetura escolar Beatriz Goulart, que defende a educação integral não reduzida ao tempo de escola, mas ampliada ao espaço da cidade, fundindo o pátio escolar aos espaços livres urbanos.
“Acredito que poderemos avançar na construção de caminhos para a superação da oposição entre a escola e a cidade, onde o que uma ensina a outra desensina, e que cinde os sujeitos em dois, com papéis antagônicos e contraditórios: o de ser aluno e o de ser cidadão… ”A Educação Integral precisa da escola, mas também do seu entorno, da comunidade, do bairro, de toda a cidade. Espaços edificados e espaços livres de edificação. A escola integral precisa das ruas. Ao contrário do que muitos pensam e desejam, não quer tirar as crianças das ruas, mas, sim, dar-lhes a oportunidade e o direito do reencontro.” (GOULART, Beatriz)
A temática da ausência da criança na cidade contemporânea, analisando suas causas, conteúdos, contradições e efeitos é o foco desse estudo que buscará, junto com os pequenos, encontrar soluções, não idílicas, mas possíveis, para uma melhor mobilidade e maior permanência das crianças na cidade metropolitana de São Paulo.
Analisamos por meios de dinâmicas como a criança se relaciona com os espaços livres da vida urbana cotidiana, do pátio residencial e escolar, à praça, parques e ruas, e como se vê e se sente em trânsito na cidade. Utilizando como objeto o distrito da Consolação, região do centro da cidade com alta densidade demográfica e escolar (32 escolas, sendo 7 públicas e 25 particulares) e uma boa oferta de espaços livres públicos (14 praças). Tivemos contato com crianças de 7 à 12 anos de diferentes classes sociais; aplicamos a dinâmica no colégio Rio Branco, no projeto curumim do Sesc Consolação e na Ocupação José Bonifácio.
Grupo 26: Felipe Do Amaral, Guega Rocha, Joana Andrade,Juliana Flahr
Orientador : Martin Corullon