“O entendimento técnico se desenvolve através da força da imaginação. (…) A técnica é o que suporta a expressão, porque abre o horizonte de erros e, consequentemente, de acertos. A aprendizagem da técnica evolve a repetição, que possibilita a autocrítica e permite modular a prática de dentro para fora. À medida que uma pessoa desenvolve sua capacitação, muda o conteúdo daquilo que ela repete. Os momentos de criação estão ancorados na rotina. A prática deixa de ser repetição digital para se transformar em uma narrativa. Fixa-se um ritmo. (…) A busca de soluções para os problemas rearma a vinculação entre o fazer e o pensar. Entre a ideia e a matéria” (SENNETT, Richard, “O Artífice”).
Na distância entre teoria e prática, fazer e pensar, floresce o desejo de sair do papel e chegar na escala das proporções do corpo. Construir e desenhar sem que exista ordem ou hierarquia, de modo que o mundo material objetivo está interligado e influencia o mundo das ideias. Busca-se compreender os processos criativos envolvidos em uma relação de mão dupla entre ideia e matéria. Procura-se compreender as relações entre o fazer e o pensar, nos debruçamos sobre o livro “O Artifície” de Richard Sennett, no qual faz uma investigação histórica do trabalho manual de artífices de diferentes ordens, em busca de entender a relação entre práticas concretas e ideias. Para Sennett, é possível aprender conhecendo a técnica, mas esta aprendizagem está inteiramente ligada à disposição de experimentar por meio do erro. “Tenho um padrão de referência que me diz o que eu estou buscando, mas meu compromisso com a verdade reside no simples reconhecimento de que cometo erros. Devo dispor-me a cometer erros, tocar notas erradas, para eventualmente acertar”.
Neste sentido, nasce a vontade de fazer uma cadeira, na qual o objetivo é construir protótipos que consolidem um objeto de reflexão. A prática deixa de ser repetição digital para se transformar em uma narrativa. Fixa-se um ritmo até chegar a versão final.
A história de evolução da espécie humana contém uma série de lacunas que ainda intrigam os estudiosos, como o processo de criação das primeiras ferramentas. Paralelamente a este processo de domínio de objetos, aqueles primeiros humanos aprendiam o caminhar bípede que os permitia maior mobilidade, simultaneamente portando com as mãos suas primeiras ferramentas, o que certamente exigia um enorme esforço. Talvez aí tenha surgido a necessidade do sentar. Diferente do deitar, o sentar ainda requer um corpo preciso, atento e tensionado em vários pontos. Não é uma posição que vence a verticalidade por completo. Desse modo, o campo de visão fica ainda muito parecido com o da posição ereta, tendo como diferença principal a altura. Sentado, é possível estabelecer contato visual com o ambiente e manter relações com ele, observar, interagir.
Se analisarmos a produção de cadeiras ao longo do tempo, podemos fazer uma análise social, política e econômica de diferentes sociedades. Funcionalmente, cadeiras de mandar, de conversar, comer, trabalhar, estudar, de massagear e até eletrocutar. Materialmente, pedra, madeira, aço, plástico e a evolução de diferentes técnicas para adequar o móvel a cada material. A cadeira como artefato. Registro de diferentes tempos e costumes.
Assim, podemos entender que ao se pensar e produzir uma cadeira do zero, constrói-se com ela o olhar, a técnica, o material e a necessidade um tempo específico. O que seria então a cadeira do ser contemporâneo, mais precisamente, de 2017? Podemos pensar que a cadeira de 2017 talvez já exista, uma vez que a modernidade com sua tecnologia, velocidade e dinamismo, já parece ter atendido a todas as necessidades do ser humano. Porém, resolveram-se problemas e criaram-se outros. A vida agitada e frenética das grandes cidades deixa poucos momentos de parada, de contemplação, ócio, devaneio. O espaço e tempo passam muitas vezes desapercebidos. O surgimento de não-lugares (Marc Augé). Espaços entre, apenas de conexão, são exemplos dessa alienação e maquineifação da vida. A natureza vive quase que por completo afastada do meio urbano. A natureza não só como árvores, rios e mares, mas como atmosfera. Ambientes extremamente controlados, ar condicionado, luz artificial, são elementos comuns a nossa rotina.
O natural nos aparece em frestas, recortes, janelas, enquadramentos conformados por empenas, alguns poucos respiros na cidade. Assim surge a cadeira Zênite (ponto da esfera celeste, que está na vertical do observador), como uma resposta a esse frenesi do dia-a-dia, como uma possibilidade de tanto integração com o meio natural, quanto de um momento de parada, de contemplação.
A concepção é simples: uma posição que se configure entre o sentar e o deitar, elevando o campo de visão até o céu, enquadrando-o em diferentes situações, tirando o ser de sua realidade e transportando-o para um outro momento, uma outra velocidade. Mas o que seria esse céu? Não necessariamente a abóbada celeste, mas também frestas, o simples encontro entre a parede e o teto. Percebemos que o ato de elevar o campo de visão, por si só, já é o suficiente para distorcer um pouco a realidade e trazer esse momento de reflexão.
Fixamos duas materialidades: a madeira e o tecido. A madeira, trabalhada com encaixes, é desenhada de maneira ortogonal, geométrica, reta. Contrastando com essa geometria vem o caimento do tecido, que se adequa melhor às curvas do corpo humano. É justamente nesse encontro de materialidades que se deu nossa maior dificuldade: como ajustar a tensão do tecido em relação às dimensões da estrutura da cadeira? Dessa forma, surgiu a ideia de se criar um objeto-protótipo de estudo, com a finalidade de definir a catenária do tecido. A partir dessa conclusão da catenária, partimos para a produção da cadeira na marcenaria do designer Leon Ades, que nos auxiliou muito durante todo o processo de realização da cadeira.
Grupo 35: Beatris Brantes, Juliana Souen, Larissa Fogaça, Maristella Pinheiro, Salome Gerbi
Orientador: Mario Figueroa