“Queremos adaptar este predinho para que funcione como centro de atendimento a imigrantes; está perto da rua, quase pronto; é só um tapa”.
Nesses termos inicia-se a aproximação da Secretaria de Estado da Justiça com a Escola da Cidade. O “predinho” é um exemplar típico de arquitetura residencial dos anos 60: três pavimentos, construído no alinhamento da rua, mas com uma série de adaptações incontornáveis para adequá-lo a um uso público (circulações, acessibilidade, instalações). E com um detalhe importante: pequeno para as pretensões do projeto.
Alguns passos adiante, entretanto, seguindo por dentro do mesmo quarteirão (como Complexo Barra Funda e todo de propriedade do Estado, conhecido), havia dois edifícios particularmente interessantes, construídos como apoio à ferrovia nas primeiras décadas do século XX. O primeiro – construção térrea, em tijolos – abrigou os responsáveis pelas operações dos trilhos (com trechos desativados ainda no local); o segundo, um galpão com mais de 200m de comprimento, desenvolve-se ao longo da linha e com a sobre-elevação típica dos setores de carga e armazenagem.
Estava redefinido o desafio: converter os edifícios ferroviários em espaço de reunião, acolhimento e entrega dos primeiros instrumentos de cidadania aos imigrantes recebidos em São Paulo. Para além da boa metáfora (o trem, a estação, a chegada), os dois edifícios se revelaram de imediato a melhor estrutura a se adaptar: espaço contínuo, amplo e com a possibilidade de ampliação ao longo do tempo dentro da mesma lógica de intervenção.
O projeto se organiza como um local de boas vindas; impõe-se o desenho de uma praça de recepção, franqueada à rua por uma escadaria que transpõe o desnível. Além de abrigar os fluxos de acesso, este espaço realiza a conexão entre os dois edifícios ocupados pelos programas de atendimento e define a necessária separação com os demais programas do complexo (o miolo do quarteirão é tomado por um estacionamento que serve os programas públicos dos demais edifícios). A praça desenvolve-se até chegar ao jardim (existente) que toma todo o limite com a ferrovia, e ganhando dimensão de espaço público adequado para as frequentes festas, assembleias e reuniões de entidades organizadas de imigrantes e de suas redes de apoio.
O edifício de operações da ferrovia é convertido em espaço apoio à praça, abrigando um café e os programas estaduais de acesso à internet e recreação infantil. Toda a cobertura foi refeita, e revisadas todo o sistema de abertura de acesso, ventilação e iluminação.
O galpão linear concentra o setor de atendimento – a ser operado pela Polícia Federal, agente principal dos processos de documentação e regularização de imigração. A dimensão longitudinal do antigo armazém a ferrovia é reafirmado pela organização dos postos de atendimento, sequenciados ao longo dos quase 70 metros ocupados do edifício. Os elementos originais das coberturas (as tesouras de peroba com tirantes em aço, as mãos-francesas em aço rebitado da marquise lateral) foram restaurados e, sem forro, chamados a participar da espacialidade no novo recinto.
Um terceiro elemento construído é proposto como articulação entre os dois blocos existentes e como solução para a compartimentação dos usos: um mezanino em aço ocupa parcialmente o espaço desocupado dos dois edifícios e permite que as áreas de retaguarda dos serviços de atendimento se mantenham isoladas das áreas de acesso público (no nível superior) e que se organizem os espaços de atendimento e apoio (no nível inferior).
O projeto, apesar de essencialmente muito simples, é resultado de um processo longo e repleto de interlocutores. A Escola da Cidade iniciou a aproximação com a Secretaria da Justiça por meio de sua diretoria (Ciro Pirondi, Anália Amorim e Marta Moreira); com a concretização da necessidade de um projeto de arquitetura e a efetivação de um convênio, foi convidado o escritório dos professores Felipe Noto e Maira Rios (B Arquitetos) para coordenar os trabalhos, e montada uma equipe formada por alunos e ex-alunos. Foi ainda convidado o escritório do professor Marcelo Bianco (Inner Engenharia) para desenvolver os projetos de estrutura, além de outras diversas equipes de projetos complementares. Por fim, como resultado de uma atividade de extensão acadêmica, uma equipe de alunos coordenada pelos professores Hermann Tascht e Luis Felipe Abbud encarregou-se de desenvolver o projeto de sinalização do conjunto.
O convênio assinado entre a Secretaria e a Escola incluiu a Inditex, empresa espanhola que fez a doação do primeiro montante de financiamento dos projetos e da obra (cerca de 70% do total). O restante da verba foi obtido em parceria com o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, que orientou a destinação de recursos oriundos de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) de outras cinco empresas para a implantação do centro.
FICHA TÉCNICA
CIC do Imigrante
Arquitetura: ESCOLA DA CIDADE / B ARQUITETOS (Felipe Noto, Maira Rios, Paulo Emilio Ferreira)
(Equipe: Denis Joelsons, Lara Ferreira, Adriana Matsufuji, Letícia Amado, Beatriz Hoyos, Murillo Lazzari e Pedro Nischimura ).
Sinalização: ESCOLA DA CIDADE (Coordenação Hermann Tascht e Luis Felipe Abbud. Equipe: Ana Carolina Hidalgo Martini, Manuela Raitelli, Marina Brant, Rebeca Domiciano de Paula, Vitor Hugo Pissaia).
Estrutura: INNER ENGENHARIA
Instalações Elétricas e Hidráulicas: PHE ENGENHARIA DE PROJETOS
Climatização: HTY PROJETOS DE ENGENHARIA TÉRMICA
Conforto Ambiental e Iluminação: K2 ARQUITETURA
Paisagismo: SOMA ARQUITETOS
Construção: NIX CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO
Escola da Cidade: Ciro Pirondi (Diretor), Anália Amorim (Presidente da Associação Escola da Cidade), Felipe Noto e Marta Moreira (Conselho Técnico)