Coordenadores: David Sperling, Fábio Lopes de Souza Santos (professores), Cristina Kiminami, Guilherme Cuogui, Marília Solfa, Paula Ramos Pacheco, Rafael Goffinet, Rafael Sampaio (alunos pós-graduação)
Entre agosto e outubro de 2016, no âmbito do projeto de intervenção pública GRU-111: contracartografias, foi realizado um workshop de pesquisa e produção de trabalhos visuais com alunos de graduação do IAU-USP e pesquisadores em nível de pós-graduação (mestrado e doutorado) do IAU-USP, vinculados ao NEC-USP. Semanalmente, organizados em sete grupos, os participantes foram instados pelos coordenadores, a pesquisar aspectos vinculados às linhas de pesquisa da intervenção pública, que tomam o Aeroporto como objeto-ícone do contexto contemporâneo de mercadificação e globalização a ser analisado e interpretado. Adotamos o foco no Aeroporto a partir do qual foram investigadas correlações mais amplas – mas, articuladas com o foco geral do projeto – entre arquitetura, trabalho, turismo, comportamentos, infraestruturas, financeirização, público e privado, precarização, exploração, controle e fluxos, dentre outros. A atividade consistiu em aulas repertoriais, atividades práticas e visita a campo. São apresentados resumidamente aqui, os principais direcionamentos de cada grupo, imagens do processo de pesquisa e dos trabalhos em processo de elaboração.
Linha de pesquisa 1 – Aeroporto e território: conexão global e local
Equipe: Rafael Goffinet (pós-graduação), Caio Jacintho, Giovanni Bussaglia, Tiago Hindi (graduação)
Ao navegar pela internet em busca da localização do Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos, logo nos deparamos com imagens impactantes: fotografias captadas via satélite mostram o contraste entre a racionalidade do planejamento do complexo aeroportuário e a densa mancha urbana ao redor. Em uma segunda aproximação, este contraste dá notas de claros conflitos presentes no território da cidade. Por um lado, é possível decifrar o movimento de expansão dos bairros mais periféricos até se chocarem contra os limites do aeroporto; por outro, estruturas viárias desenham uma espécie de promenadeem direção aos terminais de embarque e desembarque.
Situações similares são identificadas em aeroportos localizados em outras coordenadas. As diferentes implantações captadas pelos satélites representam relações urbanas em comum. Tanto no Aeroporto Internacional da Cidade do México como no Charles-de-Gaulle, em Paris, ou em outros, notamos divisões, barreiras, interrupções, zoneamentos, diferenciação de acessos e ocupações, instalações com desenhos espaciais bem definidos rodeadas por áreas que seguem lógicas urbanas distintas, senão mesmo a pura informalidade.
O que estas diferentes conformações espaciais revelam? A hipótese que orientou a pesquisa é a de que a área do aeroporto e seus limites físicos podem ser explorados como uma estrutura espacial que reúne flagrantes de uma série de fenômenos e processos de produção e de experiência das cidades contemporâneas, formas de enclausuramento e de desterritorialização, como discutidas por Mássimo Cacciari1.
Nesta perspectiva, o espaço do Aeroporto de Guarulhos (sua forma, seu funcionamento e sua inserção no território) e a história de sua construção (flexibilização das relações trabalhistas e emprego de trabalho análogo ao escravo) são fenômenos convergentes: a fragmentação do espaço urbano replica a flexibilização das relações de trabalho.
Linha de pesquisa 2 – Aeroporto como dispositivo de controle: comportamentos induzidos
Equipe: Rafael Sampaio (pós-graduação), Ana Paula Guaratini, João Gonçalves (graduação)
O trabalho de pesquisa iniciou-se pela identificação das relações existentes entre o campo da publicidade das empresas aéreas e o espaço físico do Aeroporto de Guarulhos. Para tanto, trabalhou-se em duas frentes: o universo da construção dos desejos e a experiência fenomenológica do próprio aeroporto. Foram analisadas as variadas formas de publicidade de empresas aéreas e a estrutura espacial e comunicacional do próprio aeroporto. Para se compreender melhor essa convergência, utilizou-se primeiramente a estratégia de criação de conceitos e identidade visual de uma empresa aérea fictícia (Abstracta) e os possíveis modos de atuação dessa empresa no espaço físico.
Em um segundo momento, a pesquisa concentrou-se no estudo dos regimes de visibilidade e invisibilidade presentes no espaço do aeroporto, tomando como hipótese que a experiência de uma viagem aérea se desenvolve de modo programado. Ao analisar suas etapas, percebe-se que todas estão pautadas pela presença do controle pelo par vigilância-entretenimento. Sua alternância (em pessoas, objetos, dispositivos espaciais e imagens) foi registrada e estudada pela pesquisa.
Ao final, a equipe definiu dois campos de abordagem – o primeiro trataria, através do registro fotográfico das etapas a que é submetido um passageiro no interior do dispositivo aeroportuário; e o segundo voltou-se para a construção de uma síntese gráfica desse mesmo percurso (utilizando imagens de manuais de regras e diretrizes básicas de comportamento), evidenciando o tênue limite entre os modos de vigilância e entretenimento no interior deste dispositivo.
Linha de pesquisa 3 – Aeroporto como dispositivo de controle: documentação
Equipe: Guilherme Cuogui (pós-graduação), Alessandra Vitti, Beatriz Costa, Renato Tamaoki (graduação)
A investigação focou os procedimentos de controle atrelados à documentação exigida pela logística de tráfego aéreo – que engloba tanto a escala do passageiro e do funcionário do aeroporto quanto da própria aeronave. De imediato, partiu-se para o levantamento de fluxos, processos, documentos, contratos e regulamentos exigidos para a liberação de uma aeronave, para embarque e desembarque do passageiro e para a contratação de um funcionário. Nesta fase, o trabalho dirigiu-se para a construção de esquemas gráficos e diagramas que traduziam o jogo intrincado (e invisível) entre diferentes agentes que engendram o funcionamento do aeroporto e do sistema aéreo global.
Devido ao acesso restrito a documentos de segurança, contratos e normas de conduta de empresas, o trabalho restringiu-se à escala mais acessível, comum ao viajante. A partir daí, estudou-se o universo dos certificados, declarações e formulários exigidos ao viajante por órgãos governamentais e empresas privadas (companhias aéreas, bancos, seguradoras), verificando-se que a informação exigida do passageiro extrapola sua simples identificação. Por traduzir uma das importantes camadas de controle do sistema aeroportuário, esta cadeia de documentos, procedimentos, números cadastrais e prestações de conta passou a conformar a questão central do trabalho.
Como produto final, foi proposta a recriação visual deste extenso processo de controle através de uma narrativa formada a partir da desconstrução e recomposição de camadas presentes nos documentos. Estas foram sintetizadas por meio de fotos, expressões imperativas e cartoriais, e os códigos numéricos gerados para identificação dos passageiros.
Linha de pesquisa 4 – Aeroporto e visibilidade: comissárias de bordo
Equipe: Cristina Kiminami (pós-graduação), Ana Carolina Dias, Arthur Bignelli, Jeanne Vilela (graduação)
Os espaços aeroportuários, destinados ao fluxo de passageiros, funcionam como dispositivos geradores de informação e comportamento; como estratégia criam situações de alta visibilidade e ocultamento. Como caso exemplar, foi escolhida a figura emblemática da comissária de bordo. Se chama a atenção o cuidado despendido na sua aparência, há, no entanto, sob a camada dos uniformes perfeitamente ajustados, cabelos penteados e sorrisos desenhados, uma série de duras normas e embargos.
Para entender as diretrizes a que a classe de comissários precisa se submeter, foram pesquisadas publicações de sindicatos e associações, e a publicidade das empresas aéreas. Muitas vezes leis trabalhistas são desrespeitadas para a manutenção do par imagem e produtividade visto como essencial pelas empresas. Foram encontradas reportagens a respeito da sexualização das comissárias e a exigência de perfis que traduzam a “inteligência” da empresa. Outros conflitos reportados devem-se ao alto gasto exigido para a manutenção constante de maquiagem, mudanças e atualização de uniformes, assim como são frequentes as queixas referentes aos direitos relativos à maternidade.
A pesquisa tomou a forma de colagem de diversos materiais gráficos referentes à figura da comissária de bordo, indicando que mesmo sob uma imagem tão “produzida” permanecem latentes contradições de gênero e conflitos trabalhistas.
Linha de pesquisa 4 – Aeroporto e visibilidade: comissárias de bordo
Equipe: Cristina Kiminami (pós-graduação), Ana Carolina Dias, Arthur Bignelli, Jeanne Vilela (graduação)
Os espaços aeroportuários, destinados ao fluxo de passageiros, funcionam como dispositivos geradores de informação e comportamento; como estratégia criam situações de alta visibilidade e ocultamento. Como caso exemplar, foi escolhida a figura emblemática da comissária de bordo. Se chama a atenção o cuidado despendido na sua aparência, há, no entanto, sob a camada dos uniformes perfeitamente ajustados, cabelos penteados e sorrisos desenhados, uma série de duras normas e embargos.
Para entender as diretrizes a que a classe de comissários precisa se submeter, foram pesquisadas publicações de sindicatos e associações, e a publicidade das empresas aéreas. Muitas vezes leis trabalhistas são desrespeitadas para a manutenção do par imagem e produtividade visto como essencial pelas empresas. Foram encontradas reportagens a respeito da sexualização das comissárias e a exigência de perfis que traduzam a “inteligência” da empresa. Outros conflitos reportados devem-se ao alto gasto exigido para a manutenção constante de maquiagem, mudanças e atualização de uniformes, assim como são frequentes as queixas referentes aos direitos relativos à maternidade.
A pesquisa tomou a forma de colagem de diversos materiais gráficos referentes à figura da comissária de bordo, indicando que mesmo sob uma imagem tão “produzida” permanecem latentes contradições de gênero e conflitos trabalhistas.
Linha de pesquisa 5 – Aeroporto e visibilidade: o turismo
Equipe: TássiaVasconselos (pós-graduação), Eduardo Costa Cordeiro, Caio Stragliotto, Renan Gomez (graduação)
Partindo da hipótese de que os aeroportos são dispositivos espaciais de controle, organizados pela subdivisão em um cenário de alta visibilidade (para os usuários) e um bastidor que oculta o trabalho necessário para sua manutenção, esta pesquisa procurou enfatizar esta contraposição. Assim, a ideia inicial foi contaminar este cenário por meio de montagens com imagens provindas da periferia de Guarulhos, bairros localizados no entorno do aeroporto e que se estabeleceram a partir de sua implantação.
Uma outra abordagem foi definida a partir do estudo de campo no Aeroporto. A pesquisa voltou-se então para o fenômeno das lojas de souvenirs. Um produto encontrado em uma dessas lojas foi o início de outra hipótese: a de que uma “identidade brasileira” é posta à venda, após seu redesenho, e de que neste processo, conflitos e contradições são apaziguados por meio de um design atraente e contemporâneo. Em suma, a “cultura popular brasileira” passa por diferentes filtros até ser considerada um produto apto para exportação.
Uma outra dimensão desdobrou-se simultaneamente nesta pesquisa: a figura do turista é construída por meio do consumo de objetos de design que carregam marcadores culturais de senso comum, enquanto a indústria do turismo redesenha o local a partir de demandas de exotismo e rápido reconhecimento no cenário global. A pesquisa apresentou como produto final a criação do catálogo fictício de uma dessas lojas.
Linha de pesquisa 6 -Aeroporto e invisibilidade: dispositivos espaciais
Equipe: Paula Ramos Pacheco (pós-graduação), Bruno Rossler, Laura Adami, Paul Newman Santos (graduação)
A relação entre visibilidade, áreas de acesso público, e invisibilidade, áreas de acesso restrito, norteou esta pesquisa. Sua atenção se voltou para as interfaces entre ambas. Embora as áreas de acesso público (visibilidade) sejam projetadas como lugares que omitem toda a informação referente à outra área, é inevitável que emerjam pequenos índices. São eventuais momentos de quebra, que conectam os dois universos que, a princípio, não deveriam se chocar: a câmera de vigilância discretamente instalada, portas não identificadas, sistemas de segurança, tais como, combate ao incêndio, atentados, contaminações. Existem fatos dentro da instalação aeroportuária que não devem ser explicitados à multidão de passageiros que nela circula.
Linha de pesquisa 7 – Aeroporto e invisibilidade: relações de trabalho
Equipe: Marília Solfa (pós-graduação), Aline Sgotti, Daniel Nardini Marques, Miranda ZamberlanNedel (graduação)
Esta pesquisa focou no universo das relações de trabalho necessárias para o funcionamento dos aeroportos, nem sempre expostas ao olhar público. De acordo com a “Revista Proteção do Trabalho” (n.38, abril de 2008), “para garantir a viagem aérea de 110 milhões de pessoas e o transporte de 1,6 milhão de toneladas em carga ao ano, cerca de 30 mil trabalhadores atuam em terra: são os aeroportuários e os aeroviários.” Ao voltar nosso olhar para as dificuldades relatadas em publicações feitas por centrais sindicais e órgãos voltados à divulgação de legislações trabalhistas, buscamos captar a voz destes trabalhadores, que frequentemente permanece velada, visto que não encontra eco no cenário ideal que os aeroportos buscam construir.
Ao atuar em setores distintos dos aeroportos (como o terminal de passageiros, terminal de cargas, torre de controle, pátio de manobras, hangares e oficinas de manutenção, ou mesmo no interior das aeronaves), aeroportuários e aeroviários são expostos a inúmeros riscos, que frequentemente resultam em acidentes: trabalho em altura, exposição a riscos biológicos, incêndio ou explosão, exposição a ruídos extremos, estresse ocupacional, trabalho noturno, excesso de horas extras, escalas de revezamento, fadiga transitória, fadiga cumulativa, e assim por diante. De acordo com o procurador do trabalho Fábio Fernandes, é prática comum os aeroportos não cumprirem a legislação trabalhista: “O empregador faz de forma bem eficaz a conta da relação ‘custo-benefício’ e, muitas vezes, compensa pagar as multas”, explica ele.
Diante desse cenário, buscou-se apontar para as incongruências na forma como a imagem atrelada ao aeroporto é construída, contrastando slogans dirigidos aos passageiros com a voz dos próprios trabalhadores:
“Que tal conhecer o paraíso nos próximos meses?”
“Avião voando a qualquer custo, mesmo em detrimento da segurança”.
“Nada mais justo que a sala de espera ser VIP também”.
“Com a insuficiência de pessoal, são constantes as prorrogações de jornada e o acúmulo de funções”.
“Relaxe em suas férias”.
“Trabalho em extrema pressão por conta do risco de erros, que podem comprometer todo o funcionamento do aeroporto”.
“Daqui de cima os obstáculos ficam menores e os sonhos muito maiores”.