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10.04.2017

Matriz Fantasma

Vinicius Spricigo

Em 2016, o artista Beto Shwafaty, no âmbito do Projeto Situ curado por Bruno de Almeida, recuperou e levou ao espaço da Galeria Leme em São Paulo um antigo trapiche de cana de açúcar. A máquina de cerva de 150 anos, movida por tração humana ou animal, era utilizada originalmente para moer a cana em engenhos. No espaço do projeto Situ, o dispositivo foi primeiramente exposto na área externa da galeria e depois desmontado, tendo suas peças catalogadas e organizadas no local, gerando assim uma planificação dessa máquina. Em seguida as peças foram removidas, deixando apenas uma trilha sonora das etapas de transporte instalação e funcionamento do trapiche, e marcando no solo de cimento sua permanência por meio da ação e da intempérie do tempo. No final, os vestígios do trapiche são apresentados ao público como uma metáfora visual das marcas deixadas pelo estabelecimento dos engenhos e da monocultura da cana de açúcar durante o período colonial, evocando uma reflexão sobre as bases da produção de riqueza, das relações de trabalho e escravidão que fundam a economia do pais. O desaparecimento desses artefatos, devido à modernização da produção açucareira – a substituição dos engenhos pelas usinas e uso do maquinário industrial na colheita da cana e no seu processamento – não foi seguido pelo reorganização da estrutura social e política que foi instituída com o seu uso. Pelo contrário, a manutenção dos latifúndios e o emprego do trabalhador temporário (o boia-fria), no lugar da mão de obra escrava, demonstram que a modernização da produção agrícola perpetuou uma matriz de produção de desigualdade social que encontra sua origem na colonização do Brasil. Ambos a desmaterialização do instrumento de trabalho e a permanência de sua lógica são apresentados por Shwafaty em relação dialética, cuja tensão entre o passado e o presente é irresolúvel na forma do desmonte do objeto. Sua exposição serve como uma metáfora dos processos de construção da memória púbica, que ora apagam e escondem e ora tornam evidentes os legados coloniais que dão origem às promessas modernas.

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