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18.07.2017

Memórias afro-atlânticas

Kleber Amâncio

Há uma série de artistas contemporâneos que trabalham com aquilo que estou denominando de memórias afro-atlânticas: Moisés Patrício, Renata Felinto, Sidney Amaral (in memorian), Aline Motta, Ayrson Heraclito e muitos outros. Vou falar, aqui, contudo, partindo tão somente da obra de Rosana Paulino.

Em Ama de leite estamos diante de um busto negro produzido em terracota, com três pares de seios. De cada um deles, e de seu umbigo, brotam fitas de cetim, nas seguintes cores: rosa, azul, vermelho, amarelo e branco. Sendo que o vermelho e o amarelo são bastante carregados com relação as outras tonalidades, mais diluídas e suaves. Essas fitas irrigam pequeninas bonecas que se espalham-se, desordenadamente, pelo chão. O contraste entre os materiais que compõe a obra metaforizam esse encontro, mais pesado e sentido para a ama-de-leite, que, paradoxalmente, se vê presa numa relação que se quer, publicamente, leve; a título de disfarçar a violência do ato, e esse busto não possui cabeça e membros, apenas a genitália coberta por pelos pubianos e os seios em abundancia, dissertando, dessa maneira, sobre a sexualidade exacerbada que é imputada às mulheres negras nessa sociedade.

A recorrência do bordado é uma de suas marcas registradas. Ela costura, por exemplo, uma série de fotografias de família, e inclusive costura as suas respectivas bocas, representando o silenciamento a que são submetida frequentemente. A costura também volta na sua série Atlantico Vermelho, claramente inspirada nos escritos de Paul Gilroy.

Desde o final da década de 1950 a ideia de uma servidão à brasileira pusilânime e civilizada passou a ser veementemente questionada na academia. A obra em questão corrobora essa tese; explica a escravidão como um processo brutal em si, não há, portanto, contextos históricos menos cruentos, como defenderam Gilberto Freire ou David Eltis. É um retornar a sua série Bastidores. Ao voltar-se, uma vez mais, a esse tema, a artista avança na discussão. Sinal dos tempos. Se naquela oportunidade estava protestando o silenciamento da memória dos negros (em especial das mulheres negras) em nossa sociedade, aqui o alvo é, justamente, demonstrar os mecanismos que levaram a isso. É necessário apontar e indicar responsabilidades. Avança sobre o discurso impetrado pelo racismo científico na segunda metade do século XIX. O expõe desconstruindo a empáfia colonizadora, os “olhos do império”. A escolha dos materiais para a confecção das obras enfatiza esse ponto justamente pelo contraste, dada a sua delicadeza. Ao mesmo tempo remonta às experiências das escravas rendeiras e bordadeiras, atividade bastante comum que chamou a atenção, por exemplo, do viajante francês Charles Ribeyrolles. Diferentemente de Adriana Varejão que encontrou nos azulejos portugueses um organismo pulsante e visceral, a artista em questão opta pela leveza dos tecidos, sobrepõe e ajusta ideias mostrando a coesão de discursos aparentemente desconexos a serviço dessa agência. Logo na primeira obra deparamo-nos com uma imagem gravada em tecido, a fotografia de um homem negro desnudo de perfil.

A foto original é de autoria de Louis Agassiz, o viajante suíço que esteve no Brasil no século XIX. “Aqueles que põe em dúvida os efeitos perniciosos da mistura de raças e são levados por falsa filantropia, a romper todas as barreiras colocadas entre elas, deveriam vir ao Brasil.” Sobreposta a essa imagem temos a página de um manual científico. O desenho traz um crânio tanto em sua visão frontal quanto lateral. As peças são bordadas a duas outras laterais em que a frase: “Classificar é saber?” é repetida por toda a superfície, em letras vermelhas e de diferentes tamanhos, reforçando o que vimos na tela central. Estamos diante de um tríptico, perfeitamente bordado. A linha aparente e ruidosa comunica a dificuldade que é questionar o estatuto do discurso científico. A estrutura é repetida em outras obras como aquela em que substitui-se a imagem do homem negro por um azulejo português e a frase das laterais passa a ser: “A ciência é a luz da verdade?”.

O uso do bordado, que a essa altura já faz parte do léxico artístico de Paulino, retorna. Subverte-o, mais uma vez pois se os materiais são delicados (sobretudo para tratar tema tão árido) sua forma de proceder não o é. Ao propor a linha preta aparente, ruidosa… essa expectativa é desfeita.

Os corpos masculinos e femininos são tratados de diferentes formas. E isso justamente por que o fotógrafo assim o fazia. As mulheres aparecem sempre de frente, com o torso nu. Coube a artista retrabalhar essa memória.

Numa das imagens opta por manchar a face da modelo com tinta vermelha ao mesmo tempo em que justapõe-na ao seu negativo, intacto. Sua conexão, mais uma vez é o bordado. Noutra (talvez a principal da exposição) há uma jovem garota negra.

Uma vez mais aparece a ideia do negativo e do positivo da fotografia, entretanto a parte negativa é reproduzida em maior escala (o dobro da positiva) e a linha do bordado a interrompe ao meio. Estas figuram num quadro maior atadas às imagens de um coração (pintado de vermelho), um azulejo português abstrato, outro azulejo (num azul mais claro com aparência de ser mais envelhecido devido ao tom amarelado da peça) representando uma caravela, ossos da bacia de um ser humano e por fim do lado esquerdo o desenho de um fêmur e outro de um crânio. Esses dois últimos copiados pela artista de próprio punho. É a sua assinatura. Paulino está, decididamente, desafiando a crença de que o discurso científico é ensimesmado. Como fica claro este é produzido por homens e não por uma entidade abstrata, possui intenção e sentido político cujas consequências afeta(ram) a vida de outros homens. Propor esse debate clarifica, de uma vez por todas, a ingerência da artista nessa história.

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