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18.07.2017

Sobre descartografia – entrevista com E/Ou

André Mesquita

A entrevista editada e apresentada a seguir foi realizada por e-mail por André Mesquita em março de 2012 com os três integrantes do coletivo E/Ou: Claudia Washington, Lúcio Araújo e Newton Goto. A conversa procurou tratar da experiência do coletivo com mapas, especialmente com o projeto Descartógrafos, aliando práticas de mapeamento com a participação pública de transeuntes na cidade de Curitiba. Posteriormente, o projeto se desdobrou em 2010 com o nome de Recartógrafos, implicando também na apresentação dessas ações em exposições em museus. Para uma documentação e relato detalhados, consulte o catálogo Recartógrafos. Curitiba: Edição do autor, 2010.
Disponível em: https://coletivoeou.files.wordpress.com/2014/12/recartografos_web200dpi.pdf

O que motivou o coletivo E/Ou a trabalhar com mapas?
O E/Ou sempre desejou atuar diretamente no espaço público em ações que pudessem estabelecer diálogos intensos com a sociedade. Entretanto, isso demorou um tempo para se efetivar, pois nos dois primeiros anos de existência do grupo, nossas propostas estiveram bastante vinculadas à Casa E/Ou e aos diversos fluxos coletivos e de trocas culturais que nela ocorreram, principalmente entre pessoas do meio artístico. Somente em 2008, quando participamos do projeto Galerias Subterrâneas – que instigava artistas e coletivos de artistas brasileiros convidados a intervirem nas seis passagens subterrâneas para pedestres existentes nos terminais de ônibus de Curitiba – é que aquela vontade de interagir mais diretamente com a cidade foi catalisada e encontrou condições propícias para acontecer.

Nossa enveredada para a atividade cartográfica surgiu no próprio desafio de elaborar uma proposta de ocupação artística para o Terminal de ônibus Pinheirinho durante o projeto Galerias Subterrâneas (o Terminal situa-se na região Sul da cidade). A princípio desenvolveríamos duas estratégias de trabalho, uma de Claudia e outra de Goto 1 , ambas lidando com a ideia de deslocamento de registros fotográficos da paisagem da região do entorno do Terminal para a passagem subterrânea. Mas, como tínhamos conhecimento de que pelo menos dois outros convidados do Galerias Subterrâneas também trabalhariam com fotografia e colagem de lambes, passamos a nos questionar sobre alguma investida que pudesse ser mais diferenciada em relação aos outros enquanto linguagem e mais singular em relação ao contexto no qual faríamos nossa inserção. Foi nesse momento que a linguagem da cartografia foi escolhida como nossa perspectiva de trabalho. Curitiba é uma cidade conhecida por seu urbanismo. Os terminais de ônibus e as vias estruturais de transporte coletivo são elementos fundamentais no desenho dos eixos de desenvolvimento da cidade; os mapas oficiais relacionados ao transporte público são uma constante em muitas das paradas de ônibus, a cidade tem muitas cartografias. Ou seja: urbanismo, rotas de deslocamento, terminais de ônibus e cartografias compõem um conjunto de elementos bastante articulados entre si em termos de gestão pública e de linguagem direcionada à população, porém fazendo uso de um repertório de informações, signos e orientações basicamente funcionais, visando o bom fluxo de deslocamento de veículos e pessoas. Pode-se dizer, então, que a escolha por trabalhar com cartografia partiu de uma análise do contexto específico, abrangendo três níveis: o Terminal do Pinheirinho, os terminais de ônibus em geral existentes na cidade e a dimensão simbólica que o urbanismo ocupa no imaginário relacionado à Curitiba.

Com isso, pareceu para nós bastante propício trabalhar com cartografias que pudessem agregar uma carga existencial relacionada ao território, a partir de marcações participativas, feitas pelos próprios habitantes da área representada no mapa, no caso, uma delimitação geográfica vinculada à região sul da cidade, abrangendo todos os bairros e áreas de fronteira com outros municípios alcançados pelas linhas de ônibus sediadas naquele terminal de transporte. Assim, os usuários daquele terminal teriam mais facilidade em se perceber como pertencentes ao território cartografado e poderiam se sentir mais à vontade para enunciar suas percepções, memórias e desejos em relação à geografia que habitavam. A escala de grandes dimensões dos mapas também visou aproximar o público, com tamanho de impressão definido pela própria altura da parede da passagem subterrânea, criando uma relação mais corporal com as pessoas, além de produzir uma boa leitura dos detalhes e apreensão do todo.

Fazer outros mapas do território, demarcar outras experiências de vida e formas de uso do espaço, questionar e recodificar cartografias oficiais, tudo isso foi nos levando a resgatar e dar continuidade àquela verve conceitual que havíamos denominado como Descartógrafos.

Em Descartógrafos, o público foi convidado a intervir no mapa da região sul de Curitiba, apagando ou inserindo informações nessa cartografia que foi colocada nas passagens subterrâneas do terminal de ônibus do Pinheirinho. Como essa ação conseguiu reinventar um mapa oficial da cidade?
Foram duas as estratégias em Descartógrafos. Uma delas explorava os caminhos imaginários que as pessoas faziam do terminal de ônibus do Pinheirinho às suas casas, desenhavam as rotas e renomeavam ruas. Os desenhos foram sobrepostos digitalmente e geraram dois mapas, Memórias de caminhos para casa. A outra estratégia, Descartografia, partia do recorte do mapa oficial, e também tinha o sentido de questionar a pressuposta exatidão das informações oficiais, de evidenciar o que está de fora desse registro e como possibilidade simbólica de intervenção direta no território através de ideias, marcas e reivindicações.

A intervenção no mapa possibilitava uma certa liberdade em relação ao que era dito sobre o lugar. Assim, surgiam questões como dificuldades para transitar, eram apontadas regiões de violência e possíveis ambientes de lazer, havia denúncias de abuso do poder, relações afetivas, descrições da geografia do lugar. Além do exercício pessoal daquele que fazia o registro, o mapa possibilitou o compartilhamento com um grande número de pessoas que circulam na galeria todos os dias, gerando respostas e complementações de informação – intervenções que ocorriam a qualquer tempo mas que dialogavam entre si. A cartografia foi tomada como uma ferramenta de reflexão sobre o lugar.

E/Ou. Memórias de caminhos para casa. Cartografia realizada durante o projeto Galerias Subterrâneas em Curitiba, 2008. Foto: E/Ou.

Poderiam citar alguns exemplos de inscrições feitas no mapa do terminal do Pinheirinho?
A que mais nos impressionou, e que levou ao desencadeamento do Recartógrafos, foi feita por uma mulher de cerca de quarenta anos e um menino. Em um espaço vazio, eles colaram adesivos coloridos para indicar as casas da vila onde moravam. Sobre os adesivos, escreveram o nome “Pequeno Espaço”. O Pequeno Espaço se constituiu para nós como uma surpresa. A representação feita pela moradora significou algo muito poético e, simultaneamente, político. Poético, pois a comunidade foi representada com diversos adesivos circulares coloridos, cada qual significando uma casa da comunidade, e por causa do nome do lugar, cujas letras foram escritas nos próprios adesivos, carregando uma carga bastante singular em relação ao nosso próprio trabalho, pois ele abordava justamente a questão da ocupação social do espaço da cidade. Político, pois esta marcação era a afirmação de uma comunidade que há 18 anos encontrava-se descartografada do mapa oficial da cidade. Em 2010, na etapa Recartógrafos, resolvemos ir a esta comunidade para conferir. Entramos em contato direto com uma realidade de crise social bastante forte, armazenadora de diversos conflitos que ocorrem no macrocontexto brasileiro: ocupação irregular (e em área de risco), condições precárias de moradia e saneamento básico, grande contingente de migrantes, local praticamente à revelia do poder público instituído, população desorganizada, local em parte com alta rotatividade de moradores, preconceito social dos moradores nativos em relação aos migrantes de outras regiões do Brasil, alto índice de violência, tráfico e insegurança. Ainda assim, mesmo envoltos nesse pequeno caos, havia algum espírito de coletividade, uma motivação construtiva de uma vida melhor e um surpreendente bom humor de boa parte dos moradores.

O mapa do terminal Pinheirinho permaneceu naquele local por dois anos. O que contribuiu para esta permanência?
Está lá até hoje… três anos e meio! Duas manifestações de pessoas que frequentam o terminal do Pinheirinho são exemplares nesse sentido. Um grafiteiro disse que o mapa propiciava a identificação das pessoas com seu lugar. “Esse mapa só está aí porque as pessoas se identificam nele”. Outra pessoa apontou para algumas assinaturas, tags que eram de conhecidos seus, importantes para ela e para o seu grupo. O sentido de pertencimento e de poder sobre o mapa gerou uma forma de responsabilidade coletiva na sua conservação.

E/Ou. Re(des)cartógrafos. Projeto exibido na exposição PR/BR, Museu Oscar Niemeyer, 2012. Foto: E/Ou.

Chamou minha atenção nos textos que li no catálogo de vocês sobre o uso do nome Descartógrafos e as reflexões que este termo levanta sobre “estar no território e não ser mapeado”. Existe essa possibilidade em um mundo mapeado? Que tipos de mapeamentos vocês não querem estar associados?

Ainda que os Estados e as corporações econômicas possam, supostamente, mapear tudo na superfície da Terra, e até mesmo as riquezas minerais no subsolo, assim como rastrear, monitorar e até apropriar-se de informações particulares de usuários de internet e telefonia, há muitas populações e situações não mapeadas.

Há comunidades que necessitam de algum reconhecimento do poder público e das instituições para terem garantidas suas necessidades básicas de moradia, luz, água, alimentação, educação, esgoto, assistência médica, transporte e trabalho. Essas são condições fundamentais para poder perceber a si mesmas como integradas com dignidade a seu contexto social e histórico. São questões que precedem outros direitos de inclusão social, como a inclusão digital ou a inclusão comunicacional via telefonia. Para essas populações, estar mapeado representa uma busca de regularização para alcançar uma vida melhor.

Existem centenas de ocupações fora do mapa em Curitiba, assim como em muitas outras cidades do Brasil, situações irregulares que constam (quando constam) somente em cartografias de exceções (cartografias das ocupações irregulares) da Secretaria de Urbanismo, ou mesmo da Companhia de Habitação. Ocupações irregulares em área de risco sequer possuem mapeamentos provisórios da Companhia de Habitação. E é muita gente. E à margem do poder público, muitas dessas populações tornam-se reféns do controle imposto pelo crime organizado, tráfico de drogas e violência, que vê no território fora do mapa as melhores condições para fazer valer suas leis e lucros, inclusive gerenciando os mercados imobiliários informais. Em muitos ambientes urbanos assim caracterizados sobra pouco espaço para um espírito e prática coletivas, colaborativas ou associativas. Mesmo assim, comunidades que conseguem se instrumentalizar e se organizar podem também fazer seus próprios mapeamentos, o que representa um poder de autonomia bastante acentuado, ainda que raro.

Por outro lado, há também a ideia de “estar no território e não ser mapeado” como uma ação intencional e estratégica. Em parte, esse conceito tem a ver com uma observação de Paul Virilio em seu livro Estratégia da Decepção, quando ele relata sobre a guerra da Iugoslávia e a postura do exército sérvio, num determinado período do conflito, em não realizar movimentação de tropas e de comboios a partir do momento em que perceberam que a guerra tecnológica que estavam enfrentando contra a OTAN não promovia o confronto corpo a corpo entre soldados, e sim a rastreabilidade via satélite visando o bombardeio aéreo. Assim, “a imobilidade e a dispersão” foram também incorporadas como logística da guerra.

A questão do mapeamento, da identificação e do monitoramento ampliava sua complexidade, tornando-se até ambígua: por uma lado, a necessidade de realização de mapeamentos sociais para garantir às comunidades o direito sobre os territórios que habitam. Por outro aspecto, tentar descartografar territórios para garantir liberdade de experiência e de deslocamento.

Esse contexto todo encontra também analogias com o meio artístico, pois há alguns mapeamentos de produção instituídos no circuito de artes visuais, entre eles alguns bastante sofisticados vinculados aos institutos culturais de grandes empresas e ao mercado de arte, e estes às vezes imbricam-se de uma forma bastante promíscua com o circuito institucional público e com o mais autônomo. De antemão, é necessário dizer que, para a maioria dos artistas visuais brasileiros, sequer importa essa distinção, como se tudo fizesse parte de uma mesma ordem de coisas e não implicasse em nenhuma reprodução de valores sociais maiores relativos à noção de público e de privado na sociedade. E há agravantes ainda nessa análise:

– Quando percebe-se que boa parte das ações de mapeamento do dito circuito institucional privado de arte se faz usando recursos públicos de isenção fiscal de leis de incentivo – ou seja, o Estado financia publicidade gratuita das empresas através de marketing cultural subsidiado, fomentando também a ampliação do capital simbólico social das empresas junto à sociedade.

– Quando percebe-se que intelectuais do meio artístico passam a colaborar com essas instituições privadas e apropriam-se de conceitos radicais e críticos da cultura para apresentar seus projetos de pesquisa e curadoria dentro de ações desses mesmos institutos, promovendo indiretamente um esvaziamento e um amortecimento do próprio sentido crítico do referencial teórico do qual fazem uso, corroborando para a construção desses circuitos privados como se fossem neutros em relação à sociedade e, por fim, forjando uma importância social superestimada para essas iniciativas culturais empresarias. Exemplo: conceitos de Foucault, Deleuze e Guattari aplicados ao texto de apresentação de uma exposição de um instituto cultural de um banco privado.

– Quando artistas que têm trabalhos voltados à crítica cultural e ao envolvimento social não percebem ou minimizam o potencial de cooptação existente em suas migrações sem atrito também para dentro desses circuitos privados, fato que gera um singular e paradoxal esvaziamento crítico, pois a mesma poética artística que é capaz de posicionar-se criticamente em relação ao contexto social mais amplo torna-se alheia a sua base de legitimação mais imediata enquanto arte, que é o próprio circuito artístico.

Em relação ao trabalho Descartógrafos, não queremos que nossos mapeamentos sirvam de fonte de dados para a promoção do controle social, ou subsidiem ações de repressão policial, tampouco sejam usados pelo crime organizado e nem para gerar investidas do mercado imobiliário. Queremos que nossas cartografias possam contribuir para um processo de autoafirmação coletiva sobre o território, e que promovam uma ampliação da tomada de consciência sobre a cidade e seus fluxos. Quanto a nós, como artistas e coletivo de artistas, não queremos estar mapeados por iniciativas que promovam o controle social, a opressão, a exploração de trabalho, a injustiça social, a concentração de riquezas e o esvaziamento do pensamento crítico. Inclusive já manifestamos, individual e coletivamente, algumas recusas em relação a convites e oportunidades que não se alinhavam com esses princípios.

Notas de Rodapé

  1. Na prática, ambos eram então os remanescenntes do coletivo E/Ou. Entretanto, durante as definições do projeto, Lúcio foi incorporado/incorporou-se ao grupo.

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