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21.06.2017

Entrevista com Ruth Noack

Vinicius Spricigo

Ruth Noack, autora, crítica de arte, docente universitária e realizadora de exposições desde os anos 1990, formou-se como artista visual e historiadora da arte. Noack foi curadora da documenta 12 (2007) e está desenvolvendo atualmente uma nova instituição, A Museum in a School (Um Museu numa Escola), a ser aberta em 2020. Escreveu Sanja Ivekovic: Triangle (para Afterall Books) e Agency, Ambivalence, Analysis. Approaching the Museum with Migration in Mind (para o Politecnico di Milano), ambos publicados em 2013. 

De passagem por São Paulo para o seminário Políticas da Mediação: Playgrounds, realizado no Museu de Arte de São Paulo em abril de 2016, Ruth Noack, concedeu ao editor Vinicius Spricigo essa entrevista publicada originalmente na revista Episódios do Sul do Goethe Institut.

Disponível em: http://www.goethe.de/ins/br/lp/prj/eps/sob/pt16322198.htm

Tradução: José Geraldo Couto

Vinicius Spricigo: O MASP está reinstalando os cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi depois de quase vinte anos. Como a senhora vê essa retro-perspectiva? 

Ruth Noack: Em primeiro lugar, penso que é sempre importante a instituição observar retrospectivamente sua própria história, porque sem isso não se pode seguir em frente. Além disso, Lina Bo Bardi tornou-se tão importante pelo mundo afora que, nesse aspecto, esse olhar retrospectivo faz ainda mais sentido. Mas, para mim, soa como reinstaurar Lina Bo Bardi a partir de uma perspectiva não brasileira. Muito embora se trate de algo que foi feito aqui, parece-me quase um projeto colonial. O que soa estranho, talvez porque não tenha a segunda parte, a parte popular, local. Conta apenas uma história, que não é a história toda. Ela fez aqueles dois espaços de exibição juntos, certo? O andar de baixo e os andares de cima. No meu modo de ver, Lina Bo Bardi precisa sempre ser lida no contexto dessa espécie de dupla imagem do alto modernismo e do que é local, mas eles só pegaram uma parte.

Vinicius Spricigo: Assim como Arnold Bode para a primeira documenta, o uso de materiais brutos e industriais por parte de Lina foi influenciado pelo zeitgeist do pós-guerra. Como se poderia revisitar esse projeto, retornando a essa história sem fetichizá-la? 

Ruth Noack: Não creio que Lina ou Bode estivessem usando um tipo de forma ou um material que fosse desconectado de um certo momento histórico e de uma certa localidade. Bode estava instalando aquela documenta num museu que tinha sido bombardeado. Tiveram que levantar às pressas algumas das paredes; tiveram que limpar o local, mas certamente não o restauraram de modo algum, e ele permaneceu basicamente, digamos, modesto. De modo que, quando ele monta, usa plástico, e quando usa certos materiais para fazer aquela exposição, está na verdade usando os materiais usados pelas pessoas que estavam reconstruindo seus lugares. Isso tem uma contemporaneidade instantânea.

O importante não é ele estar usando alguns materiais modernistas, que é o que o modernismo vê através desses olhos americanos, quando se pensa que é apenas uma questão de forma e material, mas sim que aqueles materiais significam uma nova visão de um novo estágio alemão, de uma nova comunidade alemã. Penso que podemos ler as exposições de Lina do mesmo modo. Por exemplo, ela não estava usando textos; não estava fornecendo explicações. Penso que não é pelo propósito de oferecer algum discurso sobre a autonomia da estética, mas antes porque ela esperava que as pessoas viessem a ler. Era necessário usar aquela linguagem discursiva, e era necessário encontrar um modo de exibir que pudesse falar às pessoas. Esse também é um problema com a reinstalação. A questão é: aquilo ainda está falando com as pessoas da mesma maneira?

Vinicius Spricigo: Vamos concordar que Lina foi radical em sua ideia do museu europeu numa nova localização, a América do Sul, e que os curadores do MASP estão tentando retomar isso agora, mas na minha opinião eles estão se afastando do que ela realizou. Reinstalar essa coleção é um modo de fetichizar os suportes de exibição. 

Ruth Noack: Tem sempre a ver com uma prática que contempla o que é contemporâneo e o que é necessário no momento. Mesmo que haja um restabelecimento, há também muita coisa que se perde. Eu sustentaria que essa montagem não é tão radical na prática contemporânea, porque a área embaixo do museu não é usada, não é concebida como parte do museu. Sei que isso tem a ver com as diferentes estruturas de governo, que algumas coisas pertencem ao município e outras são privadas, e isso é um conflito, mas ela de fato imaginou esse espaço como relevante, ao menos em termos de energia.

Não acho que o espaço inferior esteja informando sobre o que está acima dele, então mesmo que você não possa governar o espaço de baixo – já que não tem poder sobre ele, porque ele pertence ao município – você de todo modo pode encará-lo seriamente como uma espécie de espaço que produz determinada energia. De modo que, por exemplo, quando estive lá na semana passada houve algumas manifestações, mas, imagine só, o museu não está reagindo de maneira alguma a essas manifestações. Não é esse o conceito que Bo Bardi tinha.

Vinicius Spricigo: Você não acha que o problema é o museu estar apenas usando o espaço para mostrar algumas obras, e que, muito embora haja alguma participação no fato de poder usá-lo numa forma estrutural, isso não cria um diálogo verdadeiro entre o que está acontecendo naquelas diferentes esferas? 

Ruth Noack: E há outra coisa que se pode ver nessa reinstalação das pinturas no andar superior. Uma coisa que aprendi vendo as fotos de Bo Bardi e lendo um pouco sobre ela é que ela também acreditava que a forma pode ter alguma influência. E ela era realmente boa nisso, em criar essa forma. Isso se tornou muito potente. Se você quer falar com pessoas comuns, e gerar um diálogo, tem que oferecer alguma coisa, tem que oferecer a elas alguma coisa que não privilegie o conhecimento do qual elas podem sentir-se excluídas pelo fato de não terem instrução.

Então você tem que oferecer algo que seja tão potente que torne possível transpor esse enorme abismo entre a elite culta e uma população sem instrução. Para isso você precisa de uma forma potente, e quando você olha para a reinstalação vê que eles não fizeram um trabalho muito bom. Eles copiaram o sistema de exposição de Bo Bardi, mas o modo como de fato o instalaram faz com que perca sua energia à medida que a gente avança, e no final a energia acabou. Você chega aos últimos quadros, então se vira e vê a luz brilhando em seus olhos porque eles mantêm as persianas abertas. Aquilo tudo como que se esvazia. Não vi o original de Lina Bo Bardi. Gostaria pelo menos de pensar que ela criou uma espécie de campo de força.

Vinicius Spricigo: Lina Bo Bardi teve que lidar com a migração da arte que veio para o Brasil da Europa devastada do pós-guerra. Claro que tinha a ver com as lembranças dos nazistas e com a arte que tinha sido expropriada de famílias judaicas que estavam na época requerendo-as de volta. O conceito de Sobrevida, no qual o objeto em si preserva suas próprias memórias, pode nos ajudar a avançar na discussão dessas questões. Penso que não se trata apenas de um problema institucional, que tem a ver com a reivindicação da propriedade de obras de arte; mais que isso, a reivindicação da memória reprimida seria um modo de criar esse campo de força que você mencionou. As memórias estão lá e, quando as pessoas interagem com a arte, têm um caminho de acesso a elas. 

Ruth Noack: Parece-me que há um bocado de apagamento em curso, talvez porque se esteja associando todo o impeachment com São Paulo. Quando você tem esse tipo de julgamento encenado de uma pessoa e um partido, você vai em direção ao apagamento da estrutura de corrupção como um todo, que permanece sem ser enfrentada. E quem sabe se vai ser enfrentada hoje. Talvez tenha a ver com a história do colonialismo. Na Alemanha, como se sabe, tivemos o fascismo, e os alemães foram responsáveis por iniciar uma guerra e pela morte de 60 milhões de pessoas, e isso resultou, obviamente, numa espécie de trauma para a Alemanha. O país também estava bastante devastado ao final da guerra e foi dividido em duas partes, permanecendo assim até 1989. Quando foi reunificado, a reunificação foi, por um lado, uma coisa maravilhosa; por outro, foi feita de uma maneira tão violenta que também apagou muita coisa.

Basicamente eu sustentaria que ela foi feita tão violentamente porque eles queriam apagar o fato de que o período nazista tinha existido. Não tem a ver com apagar o fato de que o Estado foi separado, tinha a ver com apagar o tipo de culpa ou trauma de uma época nazista. De modo que, nesse sentido, aquela teria sido a oportunidade de escrever uma nova constituição que lidasse de fato com a memória e então desse início a uma coisa nova juntos, mas em vez disso a Alemanha Oriental adotou a constituição da Alemanha Ocidental, e nesse processo uma grande parte da experiência da Alemanha Oriental foi apagada, e ainda estamos sofrendo por isso. Minha esperança é a de que obras de arte, se forem contextualizadas ou expostas de uma boa maneira, e se os museus trabalharem com elas, possam nos ajudar a nos conectar com a complexidade de nosso passado.

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