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21.06.2017

Assentamentos precários, trabalho, economia e o Direito à Cidade

Anacláudia Rossbach

SALVADOR, BAHIA – Projetos concluídos de urbanização de Favelas

Intervenções em Alagados iniciaram-se na década de 70 a partir de atuações pontuais de grupos organizados de profissionais da arquitetura, governo local e organizações da sociedade civil. Em 40 anos projetos de melhorias e urbanização foram realizados no território por uma diversidade de atores, arranjos institucionais e modelos de intervenção. Projetos financiados em sua maioria por agências internacionais e governos locais, mas somente com o PAC foram disponibilizados recursos na escala necessária promovendo um avanço significativo em termos de qualidade e abrangência, um exemplo foi a transição da tipologia embrião para unidades unifamiliares completas, uma das exigências do programa para o componente habitacional.

PAC ALVARENGA – PROJETO DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS CONCLUÍDO EM SÃO BERNARDO DO CAMPO – REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

São Bernardo priorizou tratar a precariedade da moradia em sua política de habitação, em um modelo excepcional de integração de políticas públicas por meio de mecanismos inclusivos de planejamento urbano e um forte componente social aliado, pilar das intervenções urbanísticas.

O processo de urbanização brasileiro, assim como de muitos outros países na América Latina, gerou passivos relevantes do ponto de vista habitacional, com uma expansão significativa de assentamentos precários das mais diversas tipologias especialmente nas áreas metropolitanas e grandes conurbações. No Brasil, de acordo com a Fundação João Pinheiro, 11 milhões de domicílios estão classificados como inadequados do ponto de vista físico e de infraestrutura urbana, o que representa 19% dos domicílios urbanos do país1; já a precariedade mais extrema foi revelada por estudos do Centro de Estudos da Metrópole com o Ministério das Cidades a partir dos dados do censo de 2010, e apontam para um universo de 3,2 milhões de famílias2 residentes em setores censitários subnormais, o equivalente a assentamentos precários, ou favelas, vilas, áreas livres, entre outras denominações.

As origens e formação dos assentamentos precários no Brasil foram estudadas e analisadas por muitos pesquisadores, que apontam para fatores relevantes como a busca por emprego e oportunidades econômicas em geral, aliada às limitações das políticas habitacionais e às desigualdades do país, refletidas na renda do trabalhador urbano, por sua vez insuficiente para a aquisição de moradias ofertadas pelo mercado imobiliário formal. Neste contexto, o processo de industrialização do Brasil, a própria criação do Sistema Financeiro da Habitação com a expansão da construção civil, e os grandes empreendimentos com foco em ativar a produção econômica tiveram impacto importante para a expansão da precariedade habitacional no país. Torna-se bastante evidente a relação entre busca pelo trabalho com suas condições de remuneração e benefícios (ou ausência de) e as características da moradia do mesmo trabalhador.

Finalmente, após décadas de expansão de assentamentos informais, e avanços locais muito importantes para a abordagem do tema de forma mais estruturada em programas de governo, emerge em 2007 uma política pública nacional, e um programa de investimentos da escala da precariedade habitacional extrema do país: o PAC Urbanização de Favelas; trazendo outro ineditismo que consiste na inserção de políticas de caráter social (em princípio) em um programa de investimentos para fortalecer a infraestrutura e o crescimento econômico do país.

A premissa básica consistiu no potencial de retorno destes investimentos, não individualmente por projeto, mas sim à economia e à sociedade como um todo em forma de aumento da atividade econômica, formal e informal, a partir de uma gama de setores ligados à produção industrial e provisão de serviços que passariam a (i) atingir um público e um mercado novo e relativamente “desconhecido”, e (ii) garantir uma melhor inserção em fluxos e processos de circulação de mercadorias, trabalho e capital entre a cidade formal e informal, aumentando assim a integração econômica de áreas anteriormente segregadas e marginalizadas da sociedade.

Nos últimos anos ocorreu uma redução significativa de investimentos em assentamentos precários e o PAC corre risco de extinção, é lamentável que a complexidade, extensão e impacto deste programa foram muito pouco estudados como foi publicamente reconhecido por especialistas durante o último encontro da Associação Nacional de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Portanto não seria honesto aqui uma avaliação sobre o programa sem aprofundar investigações lastreadas por pesquisas de campo, de toda forma observou-se uma expansão econômica em muitos assentamentos, que foram escolhidos por grandes redes de varejo, instituições financeiras e empresas de serviços para a instalação de suas filiais e representações, além do florescimento dos negócios informais.

Também é possível e fundamental registrar a escala do programa e extensão dos investimentos, para além dos complexos arranjos institucionais necessários para sua implementação, ainda bastante desconhecidos do grande público, mais conectado com o produto final caracterizado pelo projeto urbanístico e a obra em si, dois aspectos obviamente fundamentais para garantir o impacto final aos moradores destas áreas e seu entorno urbano, mas que seriam inviáveis sem os esforços prévios para a institucionalização de um programa de investimentos em favelas, com seu reconhecimento do ponto de vista jurídico e econômico.

O que vem depois da obra, principalmente em termos de integração e desenvolvimento social e econômico, ainda precisa ser estudado e compreendido. Também há pouco conhecimento sobre o componente social inerente ao PAC e os programas habitacionais no Brasil, por exemplo toda a regulação sobre o trabalho social, principalmente as inovações introduzidas em 2014 por meio da Portaria 21 que introduz, para além da já existente obrigatoriedade de 1 a 2,5% de investimento em trabalho social, diretrizes claras para a execução de trabalho social com vistas a promover o fortalecimento comunitário, desenvolvimento socio-econômico, processos de pós-ocupação mais sustentáveis tanto do ponto de vista da gestão condominial, como de proteção do patrimônio físico construído e ambiental.

Evidentemente, o programa PAC – Urbanização de Favelas, em seu desenho inicial e aperfeiçoamentos sequenciais, revela um esforço de grande magnitude para a a concretização do abstrato conceito do Direito à Cidade, que foi incorporado na redação do documento denominado por “Nova Agenda Urbana”, firmado em Quito, Equador, ao final de um processo preparatório da Conferência Habitat III.

Mas afinal, recentemente fui perguntada, o que é o Direito à Cidade? E o que significa exatamente sua implementação?

Existe uma excelente conceitualização registrada em um documento base para o Habitat III, elaborado por um grupo de especialistas do mundo inteiro, integrantes de uma unidade de política3 voltada exclusivamente à questão do Direito à Cidade, sua definição e sua pertinência em relação à Nova Agenda Urbana. Trata-se no entanto de uma reflexão bastante extensa para aqui ser reproduzida, mas apresenta uma definição suscinta como (…) o direito de todos os habitantes, presentes e futuros para ocupar, usar, produzir cidades justas, inclusivas e sustentáveis, definidas como um bem comum essencial para a qualidade da vida. O Direito à Cidade mais além, impleca responsabilidades a governos e pesssoas para reclamar, defender e promoter este direito. (…), apresenta também componentes como discriminação, cidadania, economia inclusiva, equidade de gênero, diversidade cultural, proteção a ecosistemas, espaços públicos e função social da cidade.4

Já a Declaração de Toluca5 traz um conceito bastante simples e objetivo, e aponta para o Direito à Cidade como (…) um conceito orientador para que o entorno em que habitam as pessoas conte com as condições necessárias para facilitar o exercício universal e efetivo de todos os direitos humanos, econômicos sociais e culturais. Quando estes direitos se cumprirem e todos os atores assumirem o compromisso e a responsabilidade que lhes corresponde, a urbanização efetivamente gerará as oportunidades de desenvolvimento que a humanidade busca desde que começou a se concentrar em aglomerações urbanas.6 (…)

O Brasil, por sua trajetória e características peculiares foi um dos agentes diplomáticos mais importantes para garantir a inserção do Direito à Cidade na Nova Agenda Urbana, pilares são a nossa Constituição e o Estatuto da Cidade, marco legal nacional para a garantia do Direito à Cidade, com reconhecimento e legitimação de um de seus componentes principais: a função social da terra e da cidade. E é justamente o Estatuto da Cidade a base legal utilizada no desenho e implementação do PAC – Urbanização de Favelas!

Explicitamente a Instrução Normativa nº 01 da Secretaria do Tesouro Nacional, que disciplina a celebração de convênios para projetos financiados com recursos do Orçamento Geral da União, em alteração de 2007 admite por interesse público ou social, como hipótese alternativa à comprovação do exercício pleno dos poderes inerentes à propriedade (…) imóvel ocupado que, independentemente da sua dominialidade, esteja inserido em Zona Especial de Interesse Social (Zeis),  instituída na forma prevista na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) (…).7

A decisão inicial sobre a realização de investimentos públicos nesta escala nas áreas mais vulneráveis da cidade, onde nem sequer há clareza sobre a propriedade da terra foi calcada nas premissas do Estatuto da Cidade e em avanços importantes com o Fundo Monetário Internacional no reconhecimento destes “gastos”, de natureza em princípio social, como investimentos de infraestrutura para o crescimento econômico do país, e obviamente estratégicos para a geração de emprego e trabalho.

Os arranjos institucionais para a implementação do PAC extrapolam ainda os aspectos de fluxo financeiro e impacto econômico, e merecem atenção específica em análises posteriores, a fim de que se evidenciem os aspectos de gestão, relações interfederativas, instrumentos regulatórios, mudanças de marco legal, e adicionalmente as questões locais e arranjos específicos de implementação decorrentes das diversas trajetórias, expertises e abordagens de urbanização de favelas, bastante heterogênea e rica em um país como o Brasil.

Infelizmente, a continuidade e sustentabilidade de tais arranjos, bem como níveis de investimento econtra-se atualmente em risco, já que o tema assentamentos precários não desponta como prioridade política de uma maneira geral, tanto para governos (em seus três níveis), como para a sociedade como um todo. Muitos aspectos relacionados ao desenho do PAC, processo de implementação e resultados ainda permanecem pouco debatidos e desconhecidos, é preciso avançar na compreensão deste programa tão complexo e amplo para estabelecer consensos de continuidade e do que se espera de fato de programas e políticas públicas de urbanização de favelas.

Em suma, este artigo visa estimular uma reflexão sobre a forte relação dos assentamentos precários com as questões econômicas, estruturais e conjunturais do país, o elemento trabalho na origem destes assentamentos, seu aspecto indissociável do Direito à Cidade, e nas políticas públicas recentes desenhadas para estes mesmos assentamentos, seja pela geração imediata de emprego, ou pela intencionalidade de promover desenvolvimento e integração social e econômica a médio e longo prazo. Para além de legitimar e reconhecer o esforço do agonizante PAC em realizar e concretizar o Direito à Cidade no Brasil, viabilizando investimentos públicos relevantes da ordem de R$ 36 bilhões para uma população representada por mais de 2 milhões de famílias, para garantir o acesso a infraestrutura, serviços e moradia em cerca de 900 projetos muito diversos de urbanização de favelas em todo o Brasil, apontando para as complexidades dos arranjos institucionais e riscos de continuidade.

Notas de Rodapé

  1. Fundação João Pinheiro, 2016. DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL 2013-2014.
  2. CEM/CEBRAP, 2007. ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NO BRASIL URBANO.
  3. Durante o processo preparatório da Conferência Habitat III foram criadas 10 unidades de política em temas definidos como centrais para a abordagem da Nova Agenda Urbana.
  4. Documento de Política da Habitat III. “O Direito à Cidade para todos”.
  5. Em Toluca foi realizado o encontro regional para a América Latina e Caribe, preparatório à Conferência Habitat III.
  6. Reunião Regional da América Latina e do Caribe – Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat III – Declaração de Toluca.
  7. INSTRUÇÃO NORMATIVA STN Nº 1, DE 15 DE JANEIRO DE 1997 – Celebração de Convênios (Texto Consolidado), Capítulo II, artigo 2º, parágrafo IX – f.

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