A experiência do bairro Jardim Cumbica II por parte de alunos do curso Habitação e Cidade evoca as discussões que se têm empreendido nos últimos anos no que diz respeito à precariedade e ações por parte do Poder público no espaço urbano.
Durante as edições desse curso de Pós-graduação lato sensu oferecido desde 2009 na Escola da Cidade, bairros precários do município de São Paulo e de municípios da área metropolitana paulistana têm sido visitados, assim como urbanizações e conjuntos habitacionais de diversas épocas, em condições e realidades urbanas distintas, com o propósito de compreender vicissitudes e possibilidades quanto ao tema da constituição do Habitat humano contemporâneo.
Entende-se que projetos para os bairros populares são movimentos em favor de uma urbanidade plena, contrários à precariedade e ao desequilíbrio. A perspectiva de inclusão que se pretende nos projetos de urbanização está em sintonia com o que se pode referir como sendo o tripé da sustentabilidade no planejamento de nossos espaços urbanos (CAMPBELL, 1996) – socialmente justo economicamente viável e ambientalmente correto, premissas básicas da Agenda 21, documento elaborado no âmbito da ONU, do qual o Brasil é signatário.
A precariedade, sabemos, está associada à desigualdade e temos visto sua expansão nas concentrações urbanas brasileiras (e do mundo) frequentemente associada a grandes obras, seja por remoções decorrentes, seja pela atração de mão-de-obra sem a contrapartida da garantia de condições dignas para sua moradia.
No Jardim Cumbica II, em Guarulhos, liderança local se refere a operários ali estabelecidos em função de grandes obras na região, remontando inclusive, no caso de moradores antigos entre os quais se inclui, a obras da via Dutra, mas também quando da construção do aeroporto e obras a ele associadas e, mais recentemente, nas ampliações das instalações aeroportuárias, infraestrutura viária e de mobilidade. Os bairros precários, assim, parecem ser parte do canteiro de grandes obras que, por assim dizer, contam com sua existência.
Projetos para bairros populares como o Jardim Cumbica II, por outro lado, evidenciam a oportunidade de uma revisão de parâmetros referentes à infraestrutura urbana no sentido de uma relação mais harmônica entre ocupação humana e ciclos naturais (BONZI, 2017).
Também se mostra como de bom senso a recuperação da ideia de a produção dos alimentos ser parte intrínseca do Habitat humano: defende-se aqui, inclusive, o alimento como centro da moradia.
Produzir alimentos nos quintais e nos espaços coletivos e públicos recupera a perspectiva de uma paisagem produtiva, desfaz a ideia tão disseminada da não associação entre o morar e o produzir a base alimentar, algo tão presente em nossas realidades urbanas até tempos relativamente recentes: em muitos bairros ditos precários há ainda moradores que são lavradores e alguns, inclusive, resistem em seus ofícios como atividade complementar aos empregos que os atraíram para sua condição atual. Cabe apontar também que há, por outro lado, um movimento algo silencioso, mas contínuo e crescente, de inserção da agricultura no espaço urbano.
Bairros como Jardim Cumbica II poderão ser recompostos a partir de uma revisão de princípios quanto à ação pública e às redes de infraestrutura. Dinâmicas comunitárias, nesse sentido, deverão ser fomentadas e facilitadas em nome da valorização de um poder local – ideias como produção compartilhada e solidária, moedas locais, associações em cooperativas poderão, assim, reinventar a condição de seguridade no âmbito da comunidade, onde as discussões sobre os recursos disponíveis (finitos e, frequentemente escassos) e as possibilidades em função das pessoas e instituições envolvidas serão mote para renovação da perspectiva da participação (DOWBOR, 2016).
Os próximos posts da editoria Habitação e Cidade serão artigos de colaboradores do curso de Pós-graduação de mesmo nome e trazem contribuições para a discussão sobre a produção do Habitat humano contemporâneo – as Políticas Públicas, a questão da regularização fundiária, a resiliência dos movimentos sociais e a perspectiva de sustentabilidade são temas trazidos para dar mais insumos ao debate.
Foto: Visitas realizadas em função do curso Habitação e Cidade: da esquerda para a direita, de cima para baixo: Jardim Colombo, Cantinho do Céu, Cantagalo RJ, Rio das Pedras, Paraisópolis, Dique Santos SP, Complexo do Alemão RJ, Cantagalo RJ, Cota 200. Crédito das imagens: Luis Octavio de Faria e Silva
Referências Bibliográficas
BONZI, RAMÓN S. Paisagem como Infraestrutura in PELLEGRINO, Paulo; MOURA, Newton B. Estratégias para uma Infraestrutura Verde Barueri SP: Manole, 2017
CAMPBELL, SCOTT Green cities, growing cities, just cities? Urban Planning and the contradictions of Sustainable Development Journal of the American Planning Association (Summer, 1996)
DOWBOR, LADISLAU O que é Poder Local? Imperatriz MA: Ética, 2016