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12.12.2016

Habitação e Cidade, formas de atuação nos bairros populares precários

Grupo Habitação e Cidade

Ao longo de várias edições do curso de Pós-graduação lato sensu Habitação e Cidade, oferecido pela Escola da Cidade, percebe-se alguns princípios de ação face aos bairros precários que são recorrentes nos projetos apresentados como resultado dos períodos de atelier que se dedicam a observações analíticas e proposições para esses bairros que podem ser entendidos como gargalos na produção de um Habitat humano contemporâneo apropriado.

Como resultado de uma reflexão sobre essa constatação e oportunidade de investigar essas supostas linhas propositivas percebidas, foi desenvolvido um raciocínio referente num texto que foi enviado como contribuição do curso Habitação e Cidade para o Habitar 2015, encontro realizado em Belo Horizonte em preparação para o debate a se estabelecer na Habitat III, a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizada em Quito no presente ano de 2016. Do texto desenvolvido então, apresentamos abaixo uma versão reduzida, entendendo tratar-se de uma contribuição para a compreensão tanto do Habitat humano contemporâneo como da forma de lidar com ele que se tem percebido, seja latente ou em ações realizadas que reverberam na discussão acadêmica.

Mostra-se bem-vinda essa oportunidade de se fazer um balanço do que têm sido os projetos apresentados no curso de Pós-graduação lato sensu Habitação e Cidade, oferecido pela Escola da Cidade, e empreender uma espécie de taxonomia dos resultados, procurando identificar linhas de raciocínio e projetuais semelhantes, que aqui serão chamadas linhas propositivas, possibilitando assim que desvelem-se as mensagens apresentadas pelo curso, sensibilidades dos alunos participantes, em orientações presentes nas ações propostas.

A maneira de se pensar projetos em bairros precários muito se transformou no Brasil desde os anos 1970, época em que remoções totais e reassentamentos se impunham praticamente como prerrogativa única, exceção contundente para os esforços encabeçados por Carlos Nelson Ferreira dos Santos no Rio de Janeiro, que já identificavam valores nos espaços vividos e nas relações conquistadas nas comunidades cariocas, fazendo uso de mapas afetivos realizados por moradores, assim como da identificação de relações presentes entre vizinhos e, portanto, de redes de solidariedade e apoio, algo que ecoa a experiência que se pode ver como verdadeira conversão do arquiteto egípcio de formação modernista Hassan Fathy, relatada no livro “Construindo com o povo – Arquitetura para os pobres”, descrição minuciosa do projeto para Nova Gurna, cidade projetada no Médio Nilo no final dos anos 1930, para receber habitantes removidos das proximidades de sítios arqueológicos.

Em São Paulo, inspirados pela ação do educador Paulo Freire, surgem também nos anos 1970 movimentos em defesa dos favelados, que iniciam ações de resistência a um tratamento por parte do Poder Público que se caracterizava por descaso e pela prerrogativa de supostamente sanar o problema da precariedade com a simples retirada desta das áreas centrais, como que acreditando ser solução o não permitir estarem os bairros precários à vista da cidade dita formal.

Em meados dos anos 1980, a mudança de paradigma na ação pública nos bairros precários se faz notar na experiência de urbanização de favelas em Diadema que, em função da intensificação da especulação imobiliária no município de São Paulo, viu crescerem em seu território as áreas precárias (resultado da expulsão de grande contingente de pessoas de bairros paulistanos em função de valorização e aumento de preços na capital), assim como a violência que decorre da não presença do Estado através de equipamentos públicos, infraestrutura etc. Trata-se do início das chamadas urbanizações de favelas, baseadas na contagem do número de famílias moradoras e seu posterior rearranjo de acordo com sistema viário e parcelamento redefinidos com alguma, ainda que pequena, relação com o pré-existente, sendo a grande novidade a perspectiva de manutenção das pessoas nas áreas ocupadas, entendendo como legítimo seu vínculo com aquele lugar, com conquistas a serem respeitadas. Durante aqueles processos de urbanização, necessariamente os moradores deveriam se retirar para possibilitar um canteiro de obras convencional.

Sobretudo a partir dos anos 1980, verifica-se em São Paulo um aumento vertiginoso da população em bairros precários, tornando mais densas áreas já ocupadas e ocupando outras em áreas ambientalmente protegidas ou, em princípio, não recomendáveis para urbanização. Associada à prática de reassentamentos, cada vez mais se enraíza no pensamento paulistano a ideia da urbanização dos bairros precários e não sua remoção pura e simples, tendo, porém, se atualizado essa forma de ação, com um olhar mais atento a realidades pré-existentes, seja por razões operacionais ou ideológicas.

Vários foram os projetos para bairros precários paulistanos nos últimos tempos, ainda que a formação dos técnicos convocados para tanto, incluindo os arquitetos, não tenha se afastado completamente da defesa de uma postura arrogante face ao que naqueles se encontra como realidade construída. De outro lado, há uma corrente menos confortável com os rumos da construção, por assim dizer, moderna do habitat humano que entende que essas ocupações ditas precárias têm uma lógica própria, distante da suposta racionalidade do atual desenho urbano oficial, sendo não só legítimas como também formas alternativas que ensinam possibilidades inclusive mais sustentáveis para abrigar uma condição de fato em harmonia no que se refere aos recursos naturais limitados do planeta.

Entre esses dois pólos – de um lado a atitude operacional arrogante, na qual frequentemente se percebe a inércia de um projeto em seus estertores, e de outro a aceitação quase total daquilo que nas ocupações se distancia dos pressupostos técnicos relacionados com formação e saberes hegemônicos – podemos pensar em dosagens que tendem ora para um, ora para outro, mas que são composições criativas, em função das características da área precária com a qual se depara, ou mesmo da formação dos profissionais, que conta com peculiaridades próprias.

Observando os projetos para bairros precários, realizados pelos alunos do curso Habitação e Cidade, podemos perceber que por vezes se busca uma ação mínima e em outras situações se vê um desejo de transformação radical. Invariavelmente, há nos projetos a indicação de remoções, prática que se pode entender como quase sempre necessária no lidar com as áreas precárias. No limite, remoção daqueles que estão nas áreas de risco, situação que se repete na quase totalidade dos bairros precários – mas também por razões urbanísticas ou em função de outra visão de cidade. De forma geral, os trabalhos defendem a relocação dos moradores removidos, ou seja, a criação de novas unidades habitacionais no perímetro da ocupação com a qual se está trabalhando – quando não, percebe-se a busca de áreas para reassentamento razoavelmente próximas das áreas de origem das famílias que se pretende que abandonem suas casas, em nome da instituição de um espaço de melhor qualidade para a coletividade.

Nos trabalhos realizados na primeira edição do curso, tendo Paraisópolis como tema, duas equipes se dedicaram ao redesenho das bordas da atual Avenida Hebe Camargo, então via Perimetral, seguindo adiante com os princípios das ações já realizadas pela Prefeitura – edifícios baixos para receber famílias removidas que, representando uma inserção de outra lógica de organização espacial em comparação com a produção dita espontânea, ou orgânica, preponderante, explicitam a radical diferença entre essas duas formas urbanas. Implantados num primeiro plano junto à nova avenida, os edifícios podem ser vistos como uma nova fachada do bairro, frequentemente deixando menos visível a realidade pré-existente.

Outra ação paradigmática que se percebe é a da transformação no interior da comunidade, abrindo clareiras configuradas por novos edifícios que trazem outra forma de organização do espaço, onde a geometria euclidiana se faz notar com mais vigor. É o caso de um dos trabalhos apresentados, tributário do raciocínio empreendido pelo arquiteto Hector Vigliecca, contumaz colaborador do curso e responsável por um Master Plan para Paraisópolis preterido pelo Poder Público em função da grande quantidade de remoções proposta, mas sempre apresentado para discussão e que traz a ideia de inserções de edifícios re-organizadores na malha orgânica da área urbana que se desenvolveu de maneira espontânea, remetendo à ação dos arquitetos renascentistas nas densamente construídas cidades italianas medievais. Razões referentes às dificuldades de canteiros de obra, de demolições localizadas, à necessidade de ventilação e iluminação de muitas das construções existentes são locomotiva desse tipo de proposição.

Na segunda edição do curso, comunidades com dimensões menores passaram a ser trabalhadas, em função da intenção de produzir planos gerais para os bairros precários em estudo, afinados com as ideias defendidas pelo Plano Municipal de Habitação de São Paulo, que instituiu a bacia hidrográfica como base para a demarcação de perímetros de ação, em função da interdependência verificada nesses casos quanto às redes de infraestrutura, além de se ter maior coerência ao se configurar esses perímetros das bacias como unidade de paisagem. Os chamados Perímetros de Ação Integrada (PAI) têm sido considerados no curso Habitação e Cidade desde sua instituição e, ainda que articulado a essa região maior, bairros precários de em média mil famílias passaram a ser objetos de análise e proposição tanto na escala local como numa escala mais abrangente.

Nesse sentido, trabalhou-se com a comunidade de Vila Flávia, próxima ao rio Aricanduva, na zona leste paulistana. Três dos trabalhos apresentados nessa versão do curso apresentam propostas de remoções para inserções de programas facilitadores de uma maior conexão com a dita cidade formal por parte daquele bairro precário nela incrustrado, intrinsecamente relacionado, mas paradoxalmente negado e não conhecido.

Mais uma vez, questões referentes à dificuldade de estabelecer um canteiro de obras e de remoções cirúrgicas levaram à abertura de áreas de dimensões consideráveis para equipamentos, relocação habitacional e áreas de lazer. Sendo a comunidade relativamente pequena, aflorou no debate resultante dos projetos uma inquietação quanto ao desmonte de articulações existentes em função da grande proporção de áreas com acesso facilitado para a cidade como um todo, sobretudo junto ao córrego, outro elemento arquetípico nos arranjos dos bairros precários paulistanos. O córrego é da cidade, mas até que ponto a ação proposta não retira o pertencimento de maneira excessiva das suas margens da comunidade que ali estava já há vários anos? Até que ponto não se configurava com um afastamento? Qual a equação apropriada nesse caso?

Na terceira versão do curso, trabalhou-se com uma comunidade na zona norte, Cabuçu de Cima, abaixo de uma represa associada ao sistema Cantareira, no limite da região urbanizada com a área protegida da serra. Uma das propostas apresentadas trabalhou com um caminho intermediário entre a grande intervenção e a ação cirúrgica, ainda que se tenha aproximado mais desta última. As grotas existentes foram redesenhadas com muita delicadeza, permitindo que as águas das chuvas tivessem caminho desimpedido e que contassem com áreas de infiltração. Junto a esses caminhos foram propostos edifícios de uso misto, com uma escala que não representaria algo abrupto, mas que pelo contrário, produziriam a impressão de um ajustamento à realidade existente, num desenho que demonstrou a possibilidade de trabalhar de maneira a acatar relações de gabaritos e geometrias menos contundentes.

Outra equipe lançou mão de algumas hipóteses interessantes como a de transformar numa fazenda urbana de produção de flores às margens do córrego principal, que recebe as águas excedentes da represa acima, contando por vezes com volume importante, entendendo que essa atividade econômica não só representaria uma possibilidade de emprego para os moradores vulneráveis das áreas precárias do entorno, como seria uma forma de garantir, em virtude da nova função econômica, a não ocupação dessa faixa alagável, algo que se dá sistematicamente – algumas remoções já foram empreendidas, mas dada a lentidão do início das obras por parte do Poder Público, o difícil processo de retirada das famílias teve que ser refeito mais de uma vez. Essa mesma equipe trouxe outra ideia interessante – para viabilizar elevadores que fossem ao mesmo tempo urbanos, de acesso a unidades habitacionais novas e para circulação vertical de um edifício comercial, imaginou-se que este último seria responsável pela manutenção dos aparelhos, tendo como contrapartida um movimento que seguramente poderia viabilizar alguns de seus estabelecimentos de comércio e serviços.

Talvez já possamos falar em duas grandes linhas de proposição – de um lado, a conquista de áreas onde um desenho mais identificado com a suposta cidade formal se estabelece e, de outro, costuras mais próximas do que chamamos de micro ações. A ideia não é necessariamente estabelecer juízo de valores de tal modo que se entenda melhor agir de uma maneira ou de outra. Há tonalidades dentro dessas linhas propositivas – em alguns casos, se está numa posição intermediária que dificulta eventual classificação – é o caso da proposta da fazenda de flores. Talvez a chave para compreender o que é o lidar com os bairros precários seja justamente a diversidade de aproximações possíveis, resultante do que já se expôs, como formação e novos insumos dos técnicos, mas também, e sobretudo, em função de anseios que se explicitam nas comunidades envolvidas.

Na edição seguinte do curso, iniciou-se a consideração de bairros precários em cidades de outros países. Amalacachico, em Xochimilco, ao sul da Cidade do México, foi o primeiro dos bairros precários no exterior a ser observado – nas proposições, fora uma das equipes, a proposta foi de redesenho total: considerando o valor histórico e paisagístico dos trechos remanescentes do antigo lago, com a cultura das chinampas, quase todos os alunos investiram numa investigação do que poderia ser uma forma de cidade num convívio estreito com as águas.

A Macro-escala, no caso dessa região ao sul da metrópole mexicana, aparentemente roubou a cena. Em que medida esse tipo de ação defendida se presta a acolher todos os segmentos da sociedade, dados os paradoxos da dinâmica urbana nas cidades latino-americanas, é algo que fica como questionamento. De outro lado, até que ponto cabe aqui uma ação de escala exclusivamente local?

Voltando ao caso paulistano, trabalhou-se, então, com a comunidade do Jardim Colonial, junto ao rio Aricanduva, próximo inclusive à comunidade de Vila Flávia, trabalhada anteriormente. Também com aproximadamente mil famílias, acomodadas ao longo do (e por vezes sobre o) córrego que serve de eixo central da ocupação, as propostas para o Jardim Colonial foram todas no sentido de criar um parque linear no fundo do vale e estabelecer aberturas para essa área verde pública através de remoções que também se dariam para o estabelecimento de edifícios para relocação. Houve um consenso também na ideia de que áreas de reassentamento poderiam se dar no âmbito do PAI como um todo, sendo possibilidades tanto uma grande gleba percebida junto ao deságue do córrego do Jardim Colonial no rio Aricanduva, como as imediações das várias linhas de transmissão de alta tensão que cortam a região.

De forma geral, houve um sentido da recomposição mais radical, ainda que um dos grupos tenha procurado ajustes sutis num trecho do bairro que não seria removido, contando com redesenhos localizados e agenciamento dos desníveis existentes.

Houve uma exceção notável: um dos grupos trabalhou o fundo de vale como um espaço público pontuado por simpáticos edifícios para relocação – as remoções foram apenas junto ao córrego, e, portanto, temos aqui uma outra proposta que investe na ação mais cirúrgica, deixando transparecer uma postura mais de manter as pré-existências. Será esta uma proposta passível de ser levada adiante sem uma reformulação das estratégias de contratação, tecnológicas e de regularização?

Projeto proposto por um grupo de alunos para o exercício de intervenção no Jardim Colonial - 2012

Na edição seguinte do curso se trabalhou com bairros precários da cidade de Córdoba, na Argentina, que tem visto crescer de forma inédita a pobreza urbana – um dos bairros trabalhados é, de fato, uma ocupação numa rotatória de rodovia de importância regional, junto à ferrovia, com dificuldades de conexão com outras partes da cidade, chamada Los Artesanos: as equipes que se dedicaram a projetar esse bairro de forma geral investiram num redesenho que ecoa as primeiras urbanizações de favelas dos anos 1980 – rearranjo com leve inspiração na condição pré-existente, ainda que com um atrevimento maior no que diz respeito às técnicas e tipos utilizados.

Projeto proposto por um grupo de alunos para o exercício de intervenção em Los Artesanos - 2012

Em São Paulo, trabalhou-se com algumas comunidades no PAI denominado Morro do S4, que conta com projeto em andamento por parte da equipe do arquiteto Hector Vigliecca. Novamente, os projetos investigaram a criação de um parque linear junto ao córrego e a perspectiva de poucas remoções, associadas sobretudo ao risco de inundações, foi predominante. Também foi consensual a utilização de um terreno próximo, onde havia uma chácara, como área de reassentamento. Um dos trabalhos procura balancear as áreas recompostas do bairro precário com o entorno identificado como cidade formal, mas que pouco difere daquele: para tanto, cria estratégias de ampliações para os bairros formais assim como para as bordas do córrego nas áreas precárias, criando maior sinergia entre eles.

Chama a atenção um trabalho que propõe uma área de relocação que investiga um tipo sobre palafitas, sem ainda muita firmeza quanto à utilização do rés-do-chão quando dos períodos de estiagem e outro que propõe uma remoção radical, com a implementação de um grande parque alagável, junto ao qual se estabelece um edifício lâmina com térreo de uso misto e acesso irrestrito, num conjunto que faz pensar nas propostas modernistas dos grandes mestres.

Projeto proposto por um grupo de alunos para o exercício de intervenção no Morro do S4 - 2013

Na sexta edição do curso, trabalhamos com um bairro precário de Montevidéu, pouco denso e já com uma série de intervenções previstas. Os projetos das equipes de alunos discutiram desenhos possíveis para um centro distrital em formação, associado a tipos de edifícios habitacionais apropriados para aquele bairro, chamado Casavalle. Construções precárias ao longo do córrego seriam desmontadas e seus moradores reassentados no novo bairro proposto.

Em São Paulo, o desafio foi o de projetar a transformação do Jardim Colombo, parte do Complexo de Paraisópolis. Assim como, em certa medida, foi no trabalho no sul da metrópole mexicana, aqui também uma escala regional se impôs, em função da Avenida Giovanni Gronchi, de uma série de ZEIS demarcadas, grandes estruturas como os Cemitérios nos arredores, grandes equipamentos e uma polarização extrema das áreas precárias com o bairro abastado do Morumbi, com residências unifamiliares e edifícios de alto padrão.

Edifícios de relocação inseridos no tecido urbano existente foram apresentados, assim como equipamentos de escala regional que tinham como premissa e desafio servir também de articulação com a escala local.

Projeto proposto por um grupo de alunos para o exercício de intervenção no Morro do S4 - 2013

Em função da polarização ali presente, uma calibragem dos projetos se faz necessária. Como valorizar ambientação acolhedora de alguns espaços do Colombo com as estruturas de grande porte daquela parte da cidade?

Na edição seguinte do curso, trabalhou-se com um bairro precário em Guarulhos – Jardim Cumbica 2 – na primeira fase do trabalho, tivemos posturas que nos remetem às duas grandes linhas de proposição identificadas: de um lado, quantidade importante de remoções e definição de áreas para novos projetos, em certa medida se definem lotes facilitadores de canteiros convencionais de produção de edifícios para relocação, de outro lado, ações mais cirúrgicas, com ideias de equipamentos de uso coletivo que sejam facilitadores e promotores de dinâmicas comunitárias.

A grande escala está presente com a rodovia Dutra e o aeroporto de Guarulhos nas imediações. Como articular os dois lados da via rápida é um desafio, assim como pensar na perspectiva de Cumbica ser uma espécie de parque central, na várzea do Baquirivu, em volta da qual está um verdadeiro colar de bairros precários se alternando com partes da cidade defendida como formal.

Tendo passeado pelas propostas realizadas ao longo dos anos de existência do curso Habitação e Cidade, imaginamos que se pode pensar em duas grandes linhas propositivas, os planos dos assentamentos precários inseridos na escala da cidade, apresentando as intenções de desenho urbano que sejam factíveis e na elaboração dos projetos de urbanização das áreas objeto de estudos, considerando as preexistências e relação de vizinhança com o entorno, sendo ambas na chave da transformação dos bairros com a perspectiva da relocação dos seus habitantes. A conquista do lugar por parte dos ocupantes é premissa de todas as propostas.

Há uma dificuldade no sentido de calibrar a proposta quando as escalas mais abrangentes são marcantes. Nessas situações, em função da dimensão do bairro precário em análise propositiva, a remoção cirúrgica pode parecer insistência em condição transitória. Por outro lado, volta a dúvida: devemos entender a resistência de certas ocupações como falta de clareza de certas escalas? Em que medida estamos diante de horizontalidades, reações a verticalidades, ou inserções intensivas de pensamento hegemônico no território que sem muita consciência estaríamos defendendo? (Santos, 2015, p.105)

Além da linha representada pela imagem das remoções cirúrgicas, há a linha que defende o avanço da lógica associada à cidade dita formal por sobre a malha espontânea existente nas comunidades.
De qualquer modo, parece que a calibragem será feita em função das características do bairro em questão, tendo como base os anseios identificados nos moradores e como objetivo facilitar e até mesmo induzir dinâmicas comunitárias, já que a cidade é uma grande interação de comunidades, sem as quais a essência societária do ser humano não encontra lugar.

Referências Bibliográficas

FATHY, Hassan. Construindo com o povo – Arquitetura para os pobres. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
FRANÇA, Elisabete; BARDA, Marisa (org). Renova SP: concurso de projetos de arquitetura e urbanismo. São Paulo: HABI Superintendência de Habitação Popular, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,. 1987.
Plano Municipal de Habitação: a experiência de São Paulo vols 1 e 2 São Paulo: HABI Superintendência de Habitação Popular, 2012.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : Zahar, 1981.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira; VOGEL, Arno; MELLO, Marco Antonio da Silva et al. Quando a rua vira casa. São Paulo. Projeto Arquitetos Associados, 1985.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2015.
VIGLIECCA & ASSOCIADOS. O terceiro território: habitação coletiva e cidade. São Paulo: Arquiteto Hector Vigliecca, 2014.

Crédito das imagens:

Fig. 1 Fernando Soler | Guilherme Dias | Josep Pons | Ricardo Stern
Fig. 2 Martins Benavidez | German Biglia | Artur Mei | Isabela Gardes
Fig. 3 Lyzandra Machado | Fabiana kalaigian | Artur Mei | Juliana Drahomiro | SIlvio Reichi
Fig. 4 Camila Romano | Sandro de Mauro | Lara Ferreira | Joan Font

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