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20.07.2017

Autonomia artística em um planeta mapeado – entrevista com Bureau d’Études

André Mesquita

A origem do projeto do Bureau d’Études está no trabalho conduzido pela dupla de artistas conceituais Léonore Bonaccini e Xavier Fourt. Desde 1998, o Bureau d’Études tem produzido mapas que problematizam e detalham os vínculos transnacionais quase inacessíveis entre instituições, organizações, empresas e indivíduos conhecidos e obscuros, a partir de mapeamentos sobre concentração de poder da mídia, sistema agroalimentar, vigilância global, tecnologias militares, sistema carcerário, redes financeiras, crise econômica, entre outros temas. Muitos desses mapas são impressos pelo coletivo ou distribuídos em sua página na internet, sendo compartilhados em protestos ou usados como material de análise por movimentos autônomos, artistas e pesquisadores.

A entrevista a seguir foi realizada por e-mail por André Mesquita em maio de 2006, como parte de sua pesquisa para a tese de doutorado em história social, Mapas dissidentes: proposições sobre um mundo em crise (1960-2010). A versão em livro da tese está sendo preparada e será publicada em breve. Apesar da entrevista ter sido feita há mais de dez anos, ela permaneceu inédita até o momento. Seu conteúdo ainda reflete de modo atual a prática (contra)cartográfica do Bureau d’Études.

O que motivou o Bureau d’Études a trabalhar com mapas?

Quando desenvolvemos um trabalho sobre gratuidade no final dos anos noventa (Zone de Gratuité), trabalho que nos levou a pensar o tema da autonomia, parecia necessário mapear as redes que nos controlam. Compreender o mundo que nos rodeia, ser capaz de nos situarmos e de nos orientarmos. Os mapas existentes eram insatisfatórios, e então resolvemos produzir nossos próprios mapas e ferramentas. Nessa época, tivemos a sensação de que muita coisa poderia mudar. A energia liberada com as reuniões internacionais era contagiosa. Grupos diversos começaram a instalar-se rapidamente por toda a parte, graças ao desenvolvimento da mídia tática e do open source. Todas essas ferramentas tiveram participação na possibilidade de dar forma a um debate público. Abordamos esses assuntos em nosso primeiro e único número da revista Autonomie artistique, et société de communication 1 , com Brian Holmes. O objetivo dessa publicação era fazer uma investigação sobre esses grupos, coletivos e redes, detectando o aparecimento da figura do artista que inventa uma nova maneira de agir.

Nossos primeiros mapas estavam associados aos vínculos financeiros. Com o tempo, detectamos também os seus limites (ausência de sociedades não cotadas, ausência de companhias especializadas em fusões e aquisições, e que desempenham um papel determinante na estrutura do capitalismo). Sendo o nosso objetivo fazer um mapa do mundo contemporâneo, começamos a acrescentar dados não financeiros, tais como lobbies, grupos de influência, think tanks, governos, etc. Esses primeiros mapas tratavam exclusivamente sobre as ligações entre propriedades. Eram desenhados como arquiteturas com salas e corredores que davam visão para “vistas em planos” imensos de cidades que lembravam, vagamente, componentes eletrônicos. Porém, esses mapas pareciam abstratos o suficiente para qualquer pessoa que não conhecia as companhias ou os indivíduos ali visualizados. Para aumentar o entendimento da informação, usávamos pictogramas diferenciando os campos de atividade das companhias ilustradas (bancos, armamentos, distribuidores, etc.).

O trabalho evoluiu muito desde então. Hoje somos mais exigentes e não acreditamos que a informação seja o objetivo do trabalho. O mais importante de tudo é compreender sistemas ou máquinas. Naturalmente, isso fez evoluir a concepção icônica dos mapas.

Bureau d’Études. Economia del Yo, 2014.

Quais fontes de pesquisa vocês usam para a construção dos mapas?
Não produzimos a informação, damos forma a ela. É por isso que os mapas podem ser observados como um trabalho de colaboração com uma grande quantidade de autores que costumamos usar.

Para o projeto geral dos mapas, partimos dos estudos realizados abundantemente nos anos setenta pelo marxismo estruturalista sobre a organização do capitalismo, sociologia crítica (Bourdieu, Escola de Frankfurt) e história crítica (Foucault). Recolhemos os organogramas que encontramos na imprensa e consultamos em bibliotecas os relatórios das atividades das empresas, anuários dos títulos financeiros, a imprensa financeira geral ou especializada. Lemos uma quantidade de estudos para compreender a formação do capitalismo, a evolução e as estratégias de seus componentes essenciais (história dos bancos de investimento, relações entre finanças e diplomacia, política industrial) e a influência das instituições não financeiras. Para as informações reproduzidas nos mapas, usamos a imprensa, relatórios e sites de mídia independente. Levamos em conta uma grande quantidade de informação oficial e oficiosa, proveniente de diversas fontes (internet, imprensa, livros e anuários econômicos e financeiros).

Assim, nossos mapas são baseados em fontes ao mesmo tempo sociológicas, econômicas, históricas e jornalísticas. Para a leitura das relações financeiras, os trabalhos de François Morin sobre a estrutura do capitalismo foram fundamentais. Para a compreensão da importância dos grupos sociais do capital social, a leitura de Bourdieu foi muito importante. Para uma perspectiva histórica, lemos Braudel, Arrighi, Wallerstein e atualmente lemos os textos de Bichler e Nitzan, os quais podem ser encontrados em seu site 2. Lemos também muitos historiadores heterodoxos e jornalistas interessantes para a parte informativa dos mapas, com todas essas estratégias e operações pelas quais se fabrica a história. Igualmente, seguimos as investigações guiadas pela História das Ideias, se é que podemos chamar assim, como as de Foucault e Eric Voegelin. Mas ainda não sabemos claramente como utilizar isso. Só utilizamos a informação se conseguimos verificá-la.

A dificuldade está em produzir uma representação em face a uma oferta abundante de informações e a variabilidade, ou mesmo a subjetividade, dos pontos de vista que podem ser adotados. Ao mesmo tempo, há desde um esquecimento seletivo e uma manipulação de informações, até uma falta de rigor na análise e uma hiper-vigilância que às vezes leva ao pânico e a uma avaliação exagerada, ou a uma sub-avaliação. Os cartogramas querem integrar em seu projeto esses diferentes parâmetros. Eles são concebidos como um “trabalho em progresso”, cada um complementando-se, especificando-se e relativizando-se com os outros, alguns sendo mais analíticos, outros mais especulativos.

Vocês situam o trabalho do Bureau d’Études como arte ou como um trabalho de ativismo?
Não querermos ficar presos apenas a uma categoria, e sim nos movermos de uma categoria para outra (pesquisa universitária, arte e ativismo). Mesmo os mapas que poderiam ser definidos como ativismo podem também ser compreendidos como um quadro que representa máquinas de produção.

Por exemplo, desenvolvemos mapas que, em um certo contexto (como a defesa da edição, produção autônoma e distribuição), constituem um alvo ou um inimigo servindo ao embate, como o mapa Chroniques de Guerre, sobre o grupo de meios de comunicação e de armamentos Lagardère. Ou o mapa GNR, NBC, TIC, sobre a cidade francesa de Grenoble, com o objetivo de ser distribuído aos habitantes voltando-se para eles mesmos e desmontando a ideologia do desenvolvimento técnico daquela cidade. A identificação em si mesmo conscientiza e suscita possíveis ações. Por exemplo, no mapa sobre o grupo Lagardère, da forma como o produzimos (edição, divulgação, distribuição na imprensa, rádio e TV), há uma lista de seus componentes (lojas e editoras) que podem ser boicotados. Podemos ver também como certas mídias ditas “alternativas” estão integradas nesta grande firma. Dessa forma, as coisas são vistas em maior escala. Possivelmente, pode-se compreender como aquilo funciona e avaliar, ou colocar o seu esforço, para fazer com que o sistema não seja apenas um simples resíduo.

Fizemos também um ensaio de um mapa-alvo à Genebra (Geneva Tourist info guide) 3.Tal mapa tinha um objetivo instrumental de identificar, localizar e qualificar os componentes de um certo alvo (empresa, serviço, pessoa ou máquina). Corporações e robôs na internet implementam tais alvos para conquistar, contaminar ou influenciar uma população. No mapa-alvo, trata-se de mudar essas técnicas de guerrilha capitalista e de identificar a influência de uma firma, de uma técnica, de uma pessoa ou de um Estado. Possivelmente, o mapa-alvo deve ser acompanhado por protocolos adicionais descrevendo diferentes maneiras de agir.

Bureau d’Études. Chroniques de Guerre, 2004.

Que softwares vocês usam para o desenho dos mapas?
O Bureau d’Études tem interesse em desenvolver uma ferramenta gráfica de produção de cartografias? Usamos apenas um software de desenho: illustrator. É muito primitivo. O desejo de criar uma ferramenta operacional de identificação e de orientação, junto do desejo de precisão e de objetividade no processamento de dados, nos levou a pensar nos cartogramas como inteligência coletiva: sobre uma base open source, sonhávamos com um gerador de mapas capaz de cartografar as redes de poder e de concentrações. Mas não chegamos a realizá-lo. Acreditamos que a análise dos dados é mais importante que a sua simples figuração, e há diferentes sites que oferecem bases de dados. Antes de tudo, procuramos compreender o sentido desses dados e de seus componentes. Não sabemos como um software pode realizar este trabalho.

Atualmente, o que a participação em exposições de arte possibilita a vocês como meio de distribuição de seus materiais?

Ainda que participando desses eventos enquanto pensávamos que todo o espaço de distribuição e produção parecia bem organizado, estamos hoje em dia mais desconfiados e atentos ao funcionamento das instituições. Nós nos desligamos das instituições e nos colocamos em uma situação ativa de desconforto, mostrando, ao mesmo tempo, onde ela está e agindo em relação à sua própria hierarquia, à mídia e às condições de produção dos artistas. Agimos cada vez menos nos meios institucionais e nunca participamos de exposições comerciais. Evidentemente, isso nos leva a desenvolver a nossa atividade de uma maneira autônoma e de encontrar procedimentos econômicos que levem à autossuficiência. Fundamos o Bureau d’Études em 1992 e trabalhamos como um coletivo de artistas porque isso nos permite uma autodeterminação muito maior que a de um artista isolado produzindo para o mercado, ou seguindo o Estado cultural. Desse modo, não nos apresentamos com os nossos nomes. Nossas idades variam entre 37 e 42 anos e todos passaram pela escola de artes.

O peso da estrutura e das escalas de poder usadas hoje em dia nos leva, preferencialmente, a procurar vias de êxodo relativo (relativo porque o planeta ficou vertiginosamente pequeno). Neste êxodo, encontramos certamente uma cooperação, mas também um movimento técnico. Quase não acreditamos que o mundo da cultura e os meios ativistas tenham um impacto significante no mundo capitalista, particularmente porque eles participam de sua gestão pelo caos. Acreditamos muito mais em um trabalho de formiga que consiste em criar redes completamente autônomas e mais independentes de todos os níveis dos dispositivos do mundo capitalista: informativos, alimentares, logísticos, tecnológicos, ligados ao transporte, à habitação, à sexualidade e relacionados ao mundo invisível.

Uma questão ainda me parece pertinente em relação ao trabalho que vocês realizam: como aliar a produção de seus mapas a uma prática de ação direta e transformação social?

Nossos mapas são, dificilmente, utilizados de forma direta. Eles ainda não são avançados o suficiente para serem realmente úteis. São, em boa parte, esboços. No entanto, está claro que, com seu avanço, será possível compreender melhor o presente e assim entender melhor as escalas dos acontecimentos e o peso das estruturas existentes. Tivemos um aprimoramento dos mapas no ano passado. Fizemos mapas sobre os sistemas agroalimentares na França, ou a possibilidade de posicionar todos os atores no mesmo complexo. Agora queremos acrescentar os pontos de vista sobre este sistema – por exemplo, mostrar a posição do consumidor em relação a diferentes sistemas de produção. Desse modo, o mapa torna-se uma ferramenta concreta e operacional que permite avaliar o peso da ação do consumidor na reprodução de um sistema de produção/distribuição. Igualmente fizemos um mapa sobre o “clube californiano”, ou os atores do complexo militar industrial. Com este mapa, pode-se avaliar a potência que dá forma à história de hoje e compreender as razões de certas guerras, ou acontecimentos políticos que parecem bastante opacos ou irracionais. Se as ligações entre as indústrias de armamentos, de petróleo e estratégias mundiais são compreendidas, identifica-se as estratégias necessárias a qualquer vontade de alterar as regras do jogo.

O ideal sugere uma necessidade de se alcançar uma visão estratégica da realidade. O que parece difuso e explosivo no “planeta-usina” está, de fato, mais ou menos unificado e coordenado no governo mundial criando sistema e acontecimento ao mesmo tempo. A ação que temos que fazer para mudar o sentido disso não é mais um esquema discreto ou tático, pois assim as coisas podem ser abordadas separadamente umas das outras. Essa ação propõe uma abordagem estratégica ao invés de tática, ou uma posição de ruptura ou êxodo. Às vezes nos interrogamos se um dispositivo de informação como um mapa não poderia ser o operador estratégico que permita coordenar horizontalmente ações distribuídas. Em outras palavras, se não poderíamos nos tornar parecidos com o partido revolucionário de ontem. Trata-se, com efeito, de trabalhar paralelamente ao mapa, com a elaboração de procedimentos de comunicação que permitam agir sobre as identidades representadas.

Bureau d’Études. Governing agrofood, 2006.

O Syndicat Potentiel 4 trouxe uma experiência de colaboração entre artistas e trabalhadores. Com as recentes mobilizações na França e protestos organizados por estudantes, desempregados e intermitentes do espetáculo, como o trabalho do Bureau d’Études pode contribuir com esses movimentos políticos?

Não estamos implicados com os movimentos sociais na França. Enxergamos claramente como esses movimentos, em particular os dos estudantes, são, ao mesmo tempo, autônomos e recuperados pelos grandes partidos (particularmente socialistas), com o sindicato servindo de alavanca no avanço das eleições de 2007. Não acreditamos que a realidade mude muito do lado de lá, infelizmente. Para nós, parece mais essencial analisar o peso das estruturas e dos poderes, em compreender o que é o Estado, como operar a crítica e como emancipar-se. Tal análise, evidentemente, não ocorre em dois dias. Nós também consideramos importante produzir critérios de luta que estejam no passo daquilo que ocorre hoje não apenas no campo socioeconômico, mas igualmente no campo tecnocientífico.

Acreditamos em manter abertas as passagens entre diferentes máquinas de guerra. Estamos atentos a não fazer uma abordagem única. Pelo contrário, produzir a coexistência de máquinas de guerra que, embora lutando cada qual à sua maneira contra o sistema, estejam às vezes em conflito com elas mesmas. Fizemos um mapa sobre um lado dos movimentos anti-imperialistas e figuramos movimentos interessados em lutas extraterrestres contra as políticas governamentais que ocultam ou manipulam a informação sobre esses assuntos. E isso não é algo muito fácil de ser feito na França, ao contrário do que encontramos em uma viagem que fizemos aos Camarões, onde a discussão passava por lutas de classe e grupos, indo dos óvnis aos vodus.

Bureau d’Études: https://bureaudetudes.org

Notas de Rodapé

  1.  Revista editada em 2002. Disponível em: <http://utangente.free.fr/anewpages/autoart.html>.
  2. <http://bnarchives.yorku.ca>.
  3. Mapa disponível em : <http://ch.indymedia.org/fr/2003/12/16301.shtml>.
  4. O Bureau d’Études trabalhou com artistas e teóricos na criação do Syndicat Potentiel, uma associação em Estrasburgo voltada para a produção de conhecimento autônomo e orientada para uma economia de gratuidade total. Para mais detalhes sobre o projeto, ver o site <http://syndicatpotentiel.free.fr>.

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