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29.05.2017

Saberes insurgentes – entrevista com Iconoclasistas

André Mesquita

Formado por Julia Risler e Pablo Ares, o Iconoclasistas combina investigação e artes gráficas em oficinas de mapeamento que ocorrem a partir da escuta e sistematização de discussões coletivas e relatos. O mapa torna-se um suporte para visibilizar e identificar os problemas sociais, políticos e econômicos de um território, bem como as resistências e organizações agindo sobre ele. A dupla propõe em sua prática, chamada de mapeo colectivo, “um processo de criação que subverte o lugar de enunciação para desafiar os relatos dominantes sobre os territórios, a partir dos saberes e experiências cotidianas dos participantes.”1As oficinas de mapeamento do Iconoclasistas reapropriam-se dos recursos da cartografia para construir outras metodologias, dinâmicas de trabalho e socialização de conhecimentos em conjunto com diversos grupos e movimentos sociais.

A entrevista a seguir foi realizada por e-mail por André Mesquita em agosto de 2011, como parte de sua pesquisa para a tese de doutorado em história social, Mapas dissidentes: proposições sobre um mundo em crise (1960-2010), de 2013:

O que motivou o Iconoclasistas a trabalhar com mapeamentos coletivos?

Pablo já havia trabalhado com cartografias no grupo que participava antes, o GAC (Grupo de Arte Callejero), o qual esteve até 2006. Com Iconoclasistas vínhamos acompanhando muitos de nossos trabalhos (por exemplo as cosmovisões rebeldes da cidade e o saque de bens comuns) com mapas que nós realizamos a partir de investigações próprias. A grande mudança ocorreu em 2008, quando começamos a trabalhar com oficinas de mapeamento junto com grupos universitários, organizações de bairro, movimentos sociais, estudantes, grupos de cultura e comunicação alternativas, etc, dando lugar à geração de espaços de criação colaborativa, de conhecimento e de agitação. Usamos os mapas como ferramentas de trabalho, como dispositivos lúdicos e criativos, mas muito potentes para impulsionar espaços de socialização de conhecimentos e saberes cotidianos, embora não trabalhemos só com a cartografia geográfica, mas também geramos suportes gráficos que assumem outras formas (corpos, diagramas, sinopses, etc). Isso é gerado a partir dos vários espaços/pessoas/inquietudes com os quais trabalhamos.

Muitos artistas e ativistas constroem mapas a partir de diagramas que podem relacionar fatos históricos, dados econômicos, palavras, imagens, etc. Porém, uma característica importante dos mapas do Iconoclasistas é que estes são desenvolvidos a partir de um território. Por que vocês escolheram trabalhar com a geografia dos mapas oficiais? Ressignificar um território a partir de sinalizações de ícones, palavras ou relatos pode transformá-lo?

Trabalhamos basicamente com mapas geográficos nas oficinas que fizemos com movimentos sociais e assembleias socioambientais de diferentes partes da Argentina. A ideia era trabalhar o território a partir das problemáticas derivadas da premência do modelo extrativo-exportador (soja transgênica, mega-mineração a céu aberto, exploração petrolífera, etc), suas consequências concretas, materiais sobre o meio ambiente e o modo como afetam a vida de diversas comunidades. Pretendíamos tecer um relato crítico sobre um modelo de exploração dos bens comuns e viabilizar as práticas e estratégias de resistência e transformação impulsionadas por uma rede ampla de comunidades, povos indígenas, agricultores, estudantes, pesquisadores, comunicadores, etc.

No entanto, como dissemos na pergunta anterior, não trabalhamos apenas com representações geográficas. Há experiências – como é o caso da denúncia e da visibilidade dos empreendimentos econômicos e produtivos – onde é essencial localizar áreas afetadas e alcances geográficos dessas práticas. E há diversos temas que permitem trabalhar com outras dimensões gráficas. Nesse sentido, trabalhamos com a ideia de “multiplanos” a partir de um olhar mais distante dos mapas geográficos, mas que vão se movendo em diferentes níveis, como as “panorâmicas” construídas a partir de vôos de um pássaro, as “paisagens reveladoras” a partir de construções arquetípicas que permitem revelar interconexões e, finalmente, uma “cartografia dos sentidos”, trabalhada a partir das experiências, percepções e estímulos cotidianos através do trânsito pelos territórios.

A respeito do mapa América Latina Rebelde, construído em uma oficina realizada em Lima em 2010 com uma série de movimentos sociais. Poderiam contar um pouco sobre a metodologia de trabalho colaborativo usada para a produção deste mapa?

O que permite ferramentas como os mapeamentos, ou algo que experimentamos pela primeira vez em Lima, a “trança coletiva” (trenza colectiva), é a possibilidade de construir relatos coletivos a partir do “comum”. Uma linha de trabalho no mapa poderia ser: “qual o quadro geral onde se debulham as estratégias de poder hegemônico para impor modelos de exploração dos territórios, alterando e afirmando modos de vida capitalistas?” Este é um quadro que permite trabalhar, a partir de um modelo mais geral, diversos planos de existência que nos afetam. Para nós, é importante sair do olhar que recorta, achata e enfoca para ampliá-lo através de um plano mais geral de conhecimento crítico. No caso da “trança”, trabalhamos a partir das diversas subjetividades rebeldes que participaram do encontro (agricultores, indígenas, grupos de gênero, artistas, etc), muitas delas inclusive com visões opostas a respeito de determinadas perspectivas. Para enlaçar a partir de linhas do tempo, perguntamos quais foram os momentos, espaços, atividades, lutas e resistências os quais estivemos todos juntos e juntas? Esse “estar juntos/as” foi o nó comum que teceu a trança insurgente, e que tomou forma material a partir do uso de lãs e fios com os quais os participantes enlaçavam esses momentos. Devemos lembrar que isso foi realizado em um encontro de movimentos onde houve uma grande quantidade de conversas, apresentações e oficinas de educação popular, permeado por um discurso de resistência e pelas experiências de luta.

Iconoclasistas. América Latina Rebelde, 2010. http://www.iconoclasistas.net/peru-y-latinoamerica-rebelde

De que maneira a participação nas oficinas, ou através da distribuição de seus mapas e cronologias, convidam as pessoas a agir, a mudar as coisas?

Não temos ideia! O “depois” da oficina inclui processos subjetivos desconhecidos por nós e, na maioria das vezes, excedem o espaço da oficina porque estão incorporados em dinâmicas próprias dos movimentos. As transformações coletivas estão envolvidas em processos amplos. As oficinas são apenas um pequeno momento desses processos. O que sabemos é que, nesses pequenos momentos, se socializam ferramentas de trabalho, de participação e de conhecimento crítico e estratégico mediante modalidades que podem ser replicadas e reinventadas em outros espaços. O que ocorre depois são processos abertos e particulares.

Cronologias  como El Arbolazo, Nuestra señora de la rebeldía, La trenza insurrecta e Cronología colectiva de Perú mostram genealogias que se concentram na reunião de dados e acontecimentos muitas vezes esquecidos ou negligenciados pela história oficial. Vocês consideram o trabalho que estão realizando um meio de produzir uma versão alternativa de uma história que questiona os relatos oficiais?

Dizemos de novo: não temos ideia de como estas contribuições podem produzir, rupturas, fissuras ou manchas nos relatos oficiais hegemônicos, embora seja isso o que queremos! Sabemos a partir de experiências concretas que, por exemplo, os cartazes de história rebelde (historia insumisa) circulam muito pelos bachilleratos populares2 e são ferramentas usadas por educadores para difundir olhares invisibilizados pelos relatos oficiais. Acreditamos que isso é fundamental, já que somos parte de uma extensa e dispersa rede de discursos, práticas e modos de construção, os quais os materiais que produzimos têm ressonância porque somos filhos e irmãos dessas mesmas ideias e olhares.

Iconoclasistas. Nuestra señora de la rebeldia. http://www.iconoclasistas.net/triptico-del-bicentenario

Já pensaram na possibilidade de utilizar mídias locativas em suas oficinas?

Não usamos nem celulares, nem GPS. Gostamos muito do trabalho cara a cara e dos recursos em papel, de construir relatos coletivos e tecer estratégias de transformação comuns. Também levamos em conta as características de muitos dos grupos e movimentos com os quais nos vinculamos (difícil acesso às novas tecnologias, falta de recursos, localização em áreas rurais sem acesso à energia, etc). Nos interessa também poder construir ferramentas coletivas que podem ser retomadas e que não permaneçam em lugares virtuais de acumulação de informação. Não somos contra a utilização de mídias locativas, mas, para a nossa prática, não sentimos necessidade em incorporá-las. Conhecemos outros grupos que estão trabalhando – e muito bem – com essas ferramentas.

Alguns ativistas e coletivos brasileiros costumam discutir as implicações de se criar ou não mapas e diagramas que tornam visíveis as relações entre movimentos sociais e suas redes. Quais seriam os perigos ou problemas decorrentes dessa visibilidade? Estaríamos aqui lidando com a natureza coerciva dos mapas?

Também consideramos essa discussão essencial! Dentro dos espaços das oficinas de mapas, trabalhamos com total liberdade. Porém, logo depois, quando se começa a dar uma forma gráfica e pública à informação socializada, se decide consensualmente que informação entrará, que resistências, etc. Damos muita ênfase à “ambiguidade” dos mapas e como estes podem tornar-se ferramentas que prejudicam ainda mais as comunidades com as quais se trabalha (temos um PowerPoint pronto sobre este assunto, que projetamos sempre no início das oficinas). Por isso se discute, se analisa e se chega a um consenso sobre o que será feito com essa informação. Por exemplo, para os mapas realizados com as assembleias socioambientais da UAC (Unión de Asambleas Ciudadanas), sobre agronegócios e mega-mineração, os delegados de todo o país votaram a mão erguida a inclusão das resistências. Foi um momento muito potente para nós! Isso deve ser sempre discutido e acordado.

Notas de Rodapé

  1. Iconoclasistas. Manual de mapeo colectivo. Recursos cartográficos críticos para procesos territoriales de creación colaborativa. Buenos Aires: Tinta Limón, 2013, p. 12.
  2. Experiência de escolas populares impulsionada pelos movimentos sociais argentinos.

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