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14.06.2017

Agrotóxicos no agronegócio brasileiro: a sujeira por trás da “energia limpa ”

Brian Garvey, Larissa Mies Bombardi

Este artigo foi originalmente publicado no Direitos Humanos no Brasil 2016 pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

O Brasil se tornou, sobretudo na última década, em um grande exportador de commodities de origem agrícola/agropecuária e também de agrocombustível. Dentre as commodities, destaca-se que o país é o primeiro exportador mundial de açúcar, carne bovina, carne de frango, café, suco de laranja e tabaco e, também o segundo maior exportador de milho e soja (alternando com os EUA o primeiro lugar). O país é ainda o maior exportador de etanol (produzido a partir da cana-de-açúcar), embora este agrocombustível não seja considerado commodity.

Dentre os 12 primeiros produtos com maior participação no total das exportações brasileiras, tivemos: soja, açúcar, carne de frango, farelo de soja, milho em grão, carne bovina, celulose e café em grão. Ou seja, 8 dentre os 12 produtos mais exportados pelo Brasil (em % do valor total das exportações) são produtos agropecuários, sendo que a soja ocupa o segundo lugar em nossa pauta de exportação, após o minério de ferro. Os produtos básicos representaram, em 2014, praticamente 50% do total das exportações brasileiras1. Os mapas apresentados a seguir retratam o aumento dos cultivos de cana-de-açúcar e soja no Brasil e, também, sua expansão em direção à região Centro-Oeste do país.

Mapa 1. Brasil - Deslocamento da Cana-de-Açúcar

Mapa 2. Brasil - Deslocamento da Soja

Esta grande expansão de tais cultivos tem sido feita com uso massivo de agroquímicos
De acordo com o IBAMA (Ministério do Meio Ambiente, 2009) a soja ocupa o primeiro lugar como destino do total das vendas de agrotóxicos no país (47,1%), o milho ocupa o segundo lugar (11,4%) e a cana (8,2%) ocupa o terceiro lugar.
Para estes três cultivos (soja, milho e cana) convergem 67% de todo agrotóxico comercializado no Brasil. Ou seja, dois terços do montante de agrotóxicos comercializados no país têm como receptáculo três culturas expoentes da agricultura capitalista brasileira e que figuram, como foi apontado, entre os 12 primeiros lugares na pauta total de exportação brasileira.
O consumo de agrotóxicos aumentou no mundo todo. Segundo Pelaez (2011) este aumento mundial correspondeu a 100% entre 2000 e 2010. Contudo, no Brasil, no mesmo período, o aumento correspondeu a praticamente 200%.
Em termos de consumo de agrotóxicos por hectare, de acordo com o IBGE2, o consumo médio de agrotóxicos em 2002 era da ordem de 2,7kg/hectare e, em 2012, este número saltou para 6,9kg por hectare, ou seja, um aumento de mais de 155%.
Evidentemente este aumento teve um rebatimento significativo na saúde da população, como atesta o mapa a seguir:

Mapa 3. Brasil – Pessoas intoxicadas com Agrotóxico de Uso Agrícola

Fonte: SINAN – Sistema Nacional de Agravos de Intoxicação – Ministério da Saúde – Brasil. Elaboração: Larissa Mies Bombardi, 2016.

Neste período (2007 a 2014), de acordo com o Ministério da Saúde, mais de 25 mil pessoas no Brasil se intoxicaram com agrotóxicos. Estas intoxicações por agrotóxico de uso agrícola levaram à morte 1186 pessoas no país, ou seja, uma a cada 2,5 dias.
Para aprofundar a análise, tomemos como exemplo o avanço do cultivo da cana-de-açúcar na região Centro Oeste do país, particularmente em Goiás,utilizada como matéria prima para a produção do etanol.Os dados dos municípios de Quirinóplis e Jataí, por exemplo, são emblemáticos deste avanço:

Tabela 2 - Trabalhadores no setor sucroalcooleiro e área ocupada com cana-de-açúcarnos municípios de Quirinópolis e Jataí.

Fonte: MTE, 2015 e CANASAT, 2015. Organizado por Brian Garvey e Edevaldo Souza dos Santos

Este avanço tem sido feito à custa da saúde de camponeses e trabalhadores rurais, como demonstram os dados do gráfico apresentado a seguir:

Gráfico 1. Goiás: Pessoas Intoxicadas por Agrotóxico de Uso Agrícola

Fonte: SINAN – Sistema Nacional de Agravos de Intoxicação – Ministério da Saúde – Brasil.

Nota-se um aumento constante do número de pessoas intoxicadas em Goiás, com uma pequena inflexão no ano de 2011. Ressalta-se que do total de 893 pessoas intoxicadas, 349 casos referem-se a pessoas que foram intoxicadas diretamente no momento do exercício do trabalho. Ressalta-se ainda que no Brasil a subnotificação para casos de intoxicação por agrotóxicos é da ordem de 1 para 50, ou seja, para cada caso notificado junto ao Ministério da Saúde, existem 50 outros não notificados (BOCHNER, 2007).

Mapa 4. Goiás: Pessoas Intoxicadas por Agrotóxico de Uso Agrícola por Município

Fonte: SINAN – Sistema Nacional de Agravos de Intoxicação – Ministério da Saúde – Brasil. Elaboração: Larissa Mies Bombardi, 2016.

Observa-se no mapa que a porção Sul do estado de Goiás (onde se localizam, por exemplo, os municípios de Quirinópolis e Jataí) é aquela em que há maior concentração de municípios com grande número de pessoas intoxicadas com agrotóxico de uso agrícola e, não por acaso, também é aquela que corresponde ao avanço do agronegócio, particularmente através dos cultivos de soja e cana-de-açúcar.
Relatos de trabalhadoras rurais, coletados no município de Quirinópolis retratam a perversidade desta expansão:

“Eles [no avião] pulverizaram nosso ônibus inteiro! Nós estávamos do lado de fora quando eles passaram pulverizando, então a gente entrou no ônibus e eles continuaram pulverizando o ônibus inteiro! Nós corremos para fora de lá e depois de uns dois quilômetros eu comecei a passar mal […] Mas, tem uma outra mulher, que até agora não está bem. Todas as vezes que ela tem contato com o herbicida, ela começa a ter todas as reações de novo!Ela foi levada ao hospital municipal e ficou internada por 11 dias. Eles nao se preocuparam em levá-la para um hospital maior em Goiânia [..] Só que hoje ela tem que trabalhar perto de um local onde eles pulverizam e ela sempre tem reação; seu coração começa a bater rápido, ela começa a vomitar e ataca os seus pulmões, ela fica realmente muito mal! “. (Maria, 34 anos, funcionária da Destilaria São Francisco – Cargill/USJ. Depoimento colhido em 2014)

O propósito deste breve artigo é, portanto, questionar o discurso usual da chamada “energia limpa”, pois este tipo de energia tem sido produzido com danos à saúde dos trabalhadores rurais, muitas vezes irreversíveis, além, é claro da contaminação do ambiente.

Bibliografia:

BOCHNER, R. Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINITOX e as intoxicações humanas por agrotóxicos no Brasil.Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 12 (1): 73-89, 2007.

BOMBARDI, L. M. Pequeno Ensaio Cartográfico Sobre o Uso de Agrotóxicos no Brasil. São Paulo: Laboratório de Geografia Agrária / Blurb. (Ebook). 2016.

__________. Agrotóxicos: uma arma silenciosa contra os direitos humanos.Direitos humanos no Brasil 2013:Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. São Paulo, 2013.

GARVEY, B.; BARRETO, M. J. ‘Changing Employment and the Global Commodification of Ethanol’, AteliêGeográfico. 8, 1, 51–73. 2014

GARVEY, B. TYFIELD, D.; MELLO, L. F. de Mello ‘Meet the New Boss: Same as the Old boss?’ Technology, toil and tension in the agrofuel frontier”. In: New Technology, Work and Employment 30:2: p. 79 -94.

MENCK, V. F. Intoxicação do(a) Trabalhador(a) Rural por Agrotóxicos: (sub)notificação e (in)visibilidade nas políticas públicas. Dissertação. Programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Faculdade de Ciências Aplicadas. Unicamp. Limeira. 2015

OLIVEIRA, A. U. A mundialização do capital e a crise do neoliberalismo: o lugar mundial da agricultura brasileira. Geousp: Espaço e Tempo. Volume 19. São Paulo, nº 2, pp. 228-244. 2015.

PELAEZ, V. Monitoramento do Mercado de Agrotóxicos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/c4bdf280474591ae99b1dd3fbc4c6735/estudo_monitoramento.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em: 31 jul. 2011.

Notas de Rodapé

  1. www.mdic.gov.br. Acesso em Março de 2015.
  2. IBGE: 1/10/2015.

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