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26.06.2017

Trabalho precário e terceirização na economia verde do século XXI

Brian Garvey, Maria Joseli Barreto

Introdução

Dois ônibus de transporte rural, distinguíveis pelo pó vermelho grudado em seus painéis amarelos e às rodas desgastadas, saem de uma padaria que abre às 5 da manhã para que os remanescentes ‘boias frias’ – cortadores de cana – da cidade de Assis possam levar café e pão para as extensas fileiras dos canaviais. Eles passam pelo bairro de São Francisco, cujas ruas foram nomeadas em homenagem aos 23 cortadores de cana mortos tragicamente nos anos 80 nessa rota de ônibus da região oeste de São Paulo. Pai de três filhos, Luis, prende seus protetores de canela e ajeita a faca no corredor de cana-de-açúcar designado a ele, pelo qual será pago por metro cortado; dois engenheiros da empresa voam para o Canadá para aperfeiçoar as técnicas de produção de celulose cuidadosamente guardadas. As máquinas de colheita que estão rapidamente substituindo trabalhadores que, como Luis, operaram durante a noite, e seus motoristas trocam de turno para garantir o ciclo contínuo. Sete caminhões de transporte duplos já aguardam na estrada vermelha para transportar o açúcar e o etanol para as lojas e postos, bombas e portos em expansão no Brasil. Um falcão faz um voo rasante sobre um animal morto na estrada.

Além da atividade matinal do engenho e da destilaria, nada mais se move na paisagem, dominada por quilômetros de cana de açúcar balançando em direção ao sol, já forte no céu sem nuvens. Esses elementos que captam nosso olhar de forma tão dramática nessa parte oeste do estado de São Paulo, a luz solar, a abundância de terras férteis, a água ao longo do vale do Paranapanema, e a disponibilidade de mão-de-obra, vindas de ônibus das cidades vizinhas ou penduradas nas cabines dos caminhões, têm sido aproveitados por fortes interesses estatais e corporativos cada vez mais envolvidos com o capital internacional para lançar o Brasil no cenário internacional como um dos principais exportadores agrícolas e de biocombustíveis com comparativa vantagem entre as dez commodities mais comumente negociadas no mundo.

A reestruturação da produção centenária brasileira de açúcar para aumentar a competitividade internacional (atualmente representa 50% das exportações globais de açúcar) e os avanços técnicos, infraestruturais e territoriais da indústria que refletem a determinação do governo em liderar o fornecimento global de etanol (60% do etanol exportado global) tem trazido sérias implicações para os ambientes rurais, para os meios de subsistência e, conforme exploramos aqui, o quanto o Trabalho precário é criado e destruído de forma variável. Embora o número de caminhões licenciados para transportar o etanol à base de açúcar tenha crescido cerca de um quarto ao ano (Milanez et al., 2010) para lidar com a intensificação local e a expansão espacial da cana-de-açúcar nas pastagens e campinas do Brasil, o número de ônibus que transportam trabalhadores manuais entrou em colapso em São Paulo, nossa região de estudo.

Esse artigo examina essa conjuntura na indústria através do olhar de duas categorias de trabalhadores entrevistados pelos autores no oeste do estado de São Paulo entre 2012 e 2015 (ver também GARVEY e BARRETO, 2014, 2016). A primeira é o remanescente de cortadores de cana-de-açúcar, para os quais o ‘trabalho análogo à escravidão’ que tem constrangido as empresas voltadas para a exportação é melhor do que nenhum trabalho. Em meio à incerteza econômica e com poucas oportunidades de trabalho em qualquer outro lugar, o espectro da mecanização completa ameaça um futuro muito incerto para esses trabalhadores que estão intensificando sua produção na esperança de manter os poucos trabalhos manuais restantes. Em segundo lugar, paralelamente a lidar com o problema do ‘trabalho análogo ao escravo’ fazendo desaparecer completamente grandes fileiras de empregados rurais, as empresas identificaram a possibilidade de economizar ainda mais através da terceirização de carregamento e transporte da cana de açúcar. Não só a contratação de terceiros se tornou rotina no setor, mas uma quarta etapa, a quarteirização aqui revelada, transgride a pouca regulamentação. A segunda parte deste artigo encaminha-nos aos motoristas nas estradas, nas cabines de seus caminhões e nas poucas preciosas horas que passam em casa, revelando o quanto as formas de organização ‘mais enxutas’ estão engendrando novas formas de Trabalho precário que devem aumentar com a ‘regularização’ da terceirização.

Vinho velho em garrafas novas? Internacionalização do setor de biocombustíveis

Em 2009, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), controlando 50% do etanol do Brasil e 60% da produção de açúcar, recebeu nada menos que 162 representantes de 83 países interessados ​​em biocombustíveis (CHADDAD, 2010). Renovada pelo incentivo do presidente Lula da Silva à produção de veículos flex em 2003, a indústria superou a crise de 1998-2000 com a ajuda de cerca de US$ 28,2 bilhões de dólares em concessões e empréstimos governamentais. Quase dobrou o terreno dedicado ao plantio da cana-de-açúcar, aumentou a produção de açúcar de 258 para 625 milhões de toneladas e o etanol de 11 para 28 bilhões de litros entre 2000 e 2011 (GARVEY e BARRETO, 2016). Embora grande parte do empreendimento tenha sido marcadamente caseiro, com parcerias público-privadas promovendo tecnologia e infra-estrutura, houve um fluxo de capital internacional no setor. As principais empresas globais do setor de energia, alimentos, transportes e logística foram seduzidas por taxas de juros favoráveis, pela derrubada de barreiras comerciais, pelo aumento do preço dos biocombustíveis e pelas previsões de que 27% do combustível total do transporte mundial até 2050 poderia ser proveniente da biomassa (IEA, 2011ª e b). Entre 2000 e 2010, houve mais noventa e nove fusões ou aquisições. Em meio à volatilidade em curso no setor bancário dos EUA e da Europa, o investimento estrangeiro na produção brasileira de açúcar e etanol triplicou nos três anos após a crise financeira (2008-2011) e em 2009 as cinco maiores produtoras de açúcar e etanol no Brasil eram controladas pelo capital estrangeiro em mais de 50% (Scaramuzzo, 2009).

A partir de 2011, o setor se debateu em consequência das crises financeiras e conforme Mendonça et al. (2013) demonstram, as dívidas das principais empresas que especularam nos mercados financeiros internacionais escalaram. A súbita restrição de crédito e empréstimos governamentais significou que essas empresas sem acesso ao crédito internacional para redistribuir as dívidas existentes e fazer os investimentos necessários para competir foram descontinuadas. Quarenta e uma empresas cessaram suas operações entre 2008 e 2012, com 30 delas fechando em apenas dois anos (2011 e 2012), custando cerca de 13.000 empregos diretos e 32.000 indiretos (FOLHA DE S. PAULO, 2012). Isso transformou o setor e aumentou a tendência para o controle oligárquico da taxa do setor, com líderes como a Raizen e a Odebrecht Agroindustrial comandando a terra e os mercados nesta região de estudo, a qual focaremos agora.

A aliança da gigante petrolífera Royal Dutch Shell com a brasileira Cosan para criar a Raizen em 2010 foi a maior do setor de fusões e aquisições do século XXI. A fusão de US$ 12 bilhões de dólares que prometeu “transformar o etanol em uma commodity global” (COSAN, 2010) seguiu-se a partir do portfólio crescente de usinas da Cosan, e seu investimento em transporte, logística, terminais portuários e infra-estrutura energética que incluiu a compra da rede de distribuição Exxon, e também absorveu suas dívidas de mais de US$ 200 bilhões de dólares (na época da fusão). A fusão aumentou a capacidade de exportação, acelerou a produção e facilitou o acesso ao estado do Mato Grosso do Sul e à região do cerrado de Goiás. Com a aquisição das destilarias da Nova América de Benálcool, Tarumã, Paraguaçu Paulista e Maracaí em 2009 (ver Figura 1), a capacidade de processamento da Cosan aumentou de 44 para 60 milhões de toneladas, produzindo 2 bilhões de litros de etanol por ano (COSAN, 2010), enquanto os antigos proprietários firmavam uma parceria para fornecer açúcar bruto aos locais. Esta estratégia continuou sob o empreendimento Raizen, através do qual a responsabilidade pelo fornecimento de cana-de-açúcar (e da mão de obra associada) no oeste de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás foi empurrada para os fornecedores contratados, enquanto a Raizen manteve o controle direto das unidades industriais. Até 2015, a NovAmérica abastecia 10 milhões de toneladas de cana-de-açúcar de cerca de 120 mil hectares para as unidades da Cosan.

Mapa das localizações das destilarias incluídas nesse estudo

Nessa fase mais recente de expansão industrial, quatro das cinco empresas que chegaram ao Pontal do Paranapanema eram grupos corporativos em oposição às empresas indígenas criadas por grandes proprietários de terras sob o programa Proálcool patrocinado pelo governo que surgiu na década de 1980. A multinacional brasileira Odebrecht entrou em uma joint venture com a empresa japonesa Sojitz e chegou à região como Odebrecht ETH (agora Odebrecht Agroindustrial) em 2006, adquirindo rapidamente engenhos em dificuldades e incorporando produtores locais em sua crescente expansão. A subordinação da terra a essa nova administração aumentou a área de cana-de-açúcar no Pontal de 75 milhões para cerca de 330 milhões de hectares de 2000 a 2010. Um porta-voz da Odebrecht previu mais um investimento de US$ 8 bilhões de dólares em suas oito usinas, buscando controlar 100 mil hectares somente na região do Pontal, à medida que a empresa foi se instalando e assumindo a destilaria e a terra ao redor (BARRETO, 2015). A expansão dessas empresas aponta para um impulso implacável em aumentar a participação de mercado que depende da capacidade de redistribuir as dívidas existentes e controlar as áreas crescentes de terra, seja por meio de compra, aluguel ou contratação de fornecedores e investimentos em tecnologia. Ao apresentar às arenas internacionais as oportunidades de desenvolvimento que as empresas trazem para as áreas rurais, há um outro lado do seu sucesso que é revelado a aqueles que buscam ganhar a vida nesses espaços. A Raizen afirmou recentemente à Agência Internacional de Energia:

Sendo uma grande empresa, a Raizen contribui substancialmente para a sustentabilidade social. Há menos dependência do trabalho manual – na safra de 2011/2012, mais de 70% das canas serão colhidas mecanicamente (IEA 2011a: 9).

A equação implícita que a empresa obtém entre insustentabilidade social e mão-de-obra é o reconhecimento das condições degradantes que os trabalhadores sofreram durante toda a história do setor e uma tentativa de deixar de lado a inclusão da Cosan na lista suja de firmas que empregaram trabalho análogo ao escravo em 2009. Nas safras de 2006 -2007, apenas 18,6% da cana-de-açúcar no Brasil foi mecanizada. Entre 2008-2010, o valor subiu para 45,3%. Até 2017, a mecanização no estado de São Paulo pode tornar-se completa, acabando com empregos em dezenas de milhares. Como resultado dessa Raizen, apesar de sua expansão global, empregou-se diretamente cerca de 5.000 trabalhadores a menos em suas 24 usinas em 2013 do que em 2012 (RAIZEN, 2013). A afirmação acima, portanto, aponta para o paradoxo na qualidade do trabalho e sua segurança na indústria moderna a qual discutiremos agora.

Mecanização e trabalho manual

A introdução de máquinas de colheita tem sido a forma através da qual os grandes produtores com economias de escala reduziram os custos trabalhistas ao mesmo tempo em que faziam desaparecer o ‘problema’ do trabalho análogo ao escravo que tem sido impopular com os consumidores. Uma máquina de colheita substitui entre 80-100 trabalhadores e sua introdução na região do médio Paranapanema pela NovAmérica na década de 1990 iniciou a seleção anual de cortadores de cana. Havia 2.300 cortadores de cana da cidade de Assis nas plantações da NovAmérica em Maracaí e Tarumã em 2003. Entre 15 e 20 ônibus paravam em frente às padarias da cidade nas primeiras horas daquelas manhãs de colheita. Em 2013, restavam 230 trabalhadores. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA, 2010) divulgou amplamente os programas de retreinamento, um levantamento recente apontou 40 mil cortadores de cana demitidos entre 2007 e 2011 no estado de São Paulo, para então descobrir que apenas 7% haviam adquirido novos empregos na indústria (Baccarin, 2011).

Pedro (47 anos) estava em uma das duas únicas equipes de cortadores de cana na usina de Água Bonito de Tarumã na temporada 2011/2012. Ele conhecia apenas dois antigos cortadores de cana que haviam conseguido trabalhar em outros cargos na indústria.

“Até 2015, ouvimos que não vai mais ter trabalho, ouvimos que não vai ter mais nada. Ano passado, tinha 14 equipes trabalhando em Água Bonita, esse ano só uma, a nossa e mais uma […] Os cortadores do Paraná não vêm mais. Os jovens não querem ser cortadores de cana mais, estão estudando, mas e nós, os mais velhos? Precisamos ser cortadores de cana, senão o que vamos fazer, ser peão de obra? Coletar latas na rua?”

Um pai, ao voltar das plantações, nos contou:

“Eles dizem que tem trabalho nas destilarias. Conheço 6 caras que conseguiram trabalhar lá, na irrigação, na soldagem, trabalho duro também, mas precisa ter qualificação mínima e carta de motorista, se não tiver, esquece […] Eles dizem que tem cursos pra nós, que em alguns anos, o corte de cana vai acabar, mas são de R$ 2-3.000 reais por curso, não temos esse dinheiro, talvez a gente possa trabalhar com a prefeitura, varrendo as ruas, mas nem isso conseguimos fazer porque tem que passar no exame público […] Talvez, se a prefeitura terceirizar o trabalho, a gente consegue um emprego com uma empresa, mas só temporário… e é por isso que precisamos ser cortadores de cana.”

Sua lembrança de que “eu estava na escola, mas meu pai precisava que a gente trabalhasse na fazenda, então meu irmão mais velho e eu saímos da escola para ajudar” é uma história comum. A maioria dos cortadores de cana do Brasil nunca terminou o ensino fundamental (atualmente nove anos), e na região centro-sul, cerca de 52% estudaram apenas quatro anos e cerca de 7% são analfabetos. O trabalho informal, em diminuição no Brasil de modo geral, aumentou entre 1992 e 2008 para aqueles com apenas de 4-11 anos de escolaridade, continua sendo a norma para dois terços de todo o trabalho agrícola (OCDE, 2010) e é realizado por um número desproporcionalmente elevado de cidadãos mais velhos.

Em 2004, quase um terço dos aposentados brasileiros ainda estava trabalhando e para os trabalhadores reunidos em torno da mesa no sábado à tarde após o trabalho, o trabalho temporário em outros lugares é a opção mais provável. Como afirma Luis, “tem trabalho na construção, mas é instável, te contratam por seis meses e depois acaba”. Muitos com os quais conversamos começaram os cursos, mas não conseguiram terminar, enquanto outros apontaram que as taxas do curso eram inacessíveis, mas os empregadores querem que os trabalhadores cubram esses custos. O resultado disso, afirmou um sindicalista rural local, é uma pressão cada vez maior para que os trabalhadores remanescentes se mantenham no emprego aumentando a produtividade, já que os proprietários ‘escolhem o melhor, o mais forte’ para o ano seguinte ao final de cada temporada.

Segundo ele, o desenvolvimento da indústria em direção à exportação trouxe um novo escrutínio à região em torno de Tarumã, Paraguaçu e Maracaí. A contratação de terceiros foi suprimida, os albergues inadequados para trabalhadores migrantes foram fechados, já que o Ministério do Trabalho atuou na penalização de abusos em uma indústria que procurava atrair investimentos estrangeiros e encontrar mercados internacionais para os produtos. No entanto, os salários permaneceram baixos. O pagamento por produção persistiu. Um trabalhador, o Junior, lembrou da sua hospitalização após ter desmaiado nos campos em 2009 em Maracaí, enfatizando a intensidade do trabalho que parece ter contribuído com a morte de 14 trabalhadores em São Paulo em apenas duas temporadas 2005/6 e 2006/7 (ALVES, 2007).

Para os trabalhadores migrantes, no entanto, a eliminação progressiva dos ‘gatos’, os terceirizadores, infames por obter lucro à custa de trabalhadores migrantes e que estiveram envolvidos na maioria dos casos de trabalho análogo ao escravo nos canaviais de São Paulo, não impediu o excesso de trabalho. Miguel estava entre os 350 trabalhadores trazidos de Minas Gerais por um agente da plantação Atena em Martinópolis, Pontal de Paranapanema para a temporada 2011/12. Ele recebia apenas R$ 0,14 centavos por metro de corte de cana de açúcar e aumentou rotineiramente seu dia útil para dez horas (a partir de oito) para garantir dinheiro suficiente para cobrir as despesas da família e pagar sua viagem de volta a Minas em outubro. Entende-se na região que para se manter como cortador de cana é preciso cortar pelo menos 10 toneladas por dia (era cerca de 5-8 toneladas na década de 1980). A pressão para manter o emprego e compensar a baixa remuneração implica que os trabalhadores com os quais conversamos conseguiam cortar até 16 toneladas por dia.

Já é noite, e o ônibus rural chacoalha de volta a Assis. O negócio dos motoristas, assim como o destino dos trabalhadores rurais nos campos, está capengando. Uma empresa similar que trazia cortadores de cana de Assis para Paraguaçu tinha acabado de receber a notícia de que, devido a um novo pedágio de acesso a essa rota, sua taxa diária ficou muito cara e o contrato seria cancelado pela destilaria, não apenas com a companhia de ônibus, mas também com os cem trabalhadores que eram seus passageiros diários. No local onde o ônibus parte da praça da igreja por volta das 16:30, há dezoito homens sentados na sombra espalhada de uma mangueira, bebendo cachaça a base de açúcar, cujo processo de fermentação do século XVII foi o precursor da indústria de combustível de etanol de hoje. Todos são ex-funcionários das plantações de açúcar, e suas opções para conseguir qualquer emprego rural estão todas acabadas.

Transporte, terceirização e quarteirização

A medida que esses meios de subsistência dos trabalhadores manuais foram destruídos, outros novos, mas poucos, foram criados. A produção de etanol fornece cerca de 465 mil empregos diretos, seis vezes mais do que a indústria do petróleo no Brasil, e gera US$ 140 milhões de dólares em salários adicionais anualmente (Chaddad, 2010) para cargos que não podem ser tão facilmente substituídos. Um gerente explicou que, “agora temos que pagar salário anual para os engenheiros e operadores de máquinas. Antigamente, contratávamos as pessoas para a temporada, mas não conseguimos mais encontrar pessoas com as habilidades necessárias para apenas seis meses do ano; treinamos os motoristas e os operadores, mas se não lhes pagarmos salário, eles levam seus treinamentos e habilidades para outro lugar”.

Esses novos cargos de emprego podem ter afetado apenas uma pequena porcentagem da força de trabalho, mas apontam novas oportunidades para a organização de trabalhadores nesta cadeia de commodities emergentes. Conforme Coates (2000: 256) nos lembra, a globalização exige mais trabalhadores do que computadores e, portanto, as empresas continuam tentando encontrar formas de evitar o fortalecimento trabalhista através da industrialização. O uso da terceirização é uma dessas técnicas. O movimento intensificado dos vários produtos da usina de cana-de-açúcar em um país de tamanho continental que ainda dependente fortemente do transporte rodoviário estimulou uma série de investimentos públicos e privados em infraestrutura, desenvolvimento portuário e ferroviário e uma explosão de empresas logísticas no setor da indústria de açúcar e etanol (CASTILLO e FREDERIKS, 2010; JANOTTI et al, 2012). Para um gerente da destilaria em Presidente Prudente,

Não é de interesse dos grandes grupos investir recursos na compra de implementos (colheitadeiras) ou frotas de veículos (carros, ônibus ou caminhões) sendo que é possível terceirizar o serviço, além disso, o prestador de serviços se responsabiliza pelas questões trabalhistas.

Enquanto esperava carregar seu caminhão, um dos dois pertencentes a uma loja local de peças automotivas de Paraguaçu Paulista, João 36, da cidade de Taciba, SP, nos dá uma idéia do que essa estratégia significa. Sai de casa por volta das 5:00 horas com uma marmita, uma garrafa de café e água, e chega ao trabalho às 6:30 da manhã. Trabalha direto até as 18:30, parando por 10-15 minutos para tomar água, almoçar ou ir ao banheiro, enquanto carrega o caminhão nos campos de cana entre uma viagem e outra. Mesmo tendo direito legal a uma hora de almoço, com a meta de três viagens por turno e a distância entre os locais, não seria possível concluí-las se parasse para almoçar. Ele retorna à sua casa nesse dia às 20:00 horas, 15 horas depois.

O Sr. VA tem 35 anos e é motorista de uma empresa de ônibus local que é contratada para transportar trabalhadores que plantam, cuidam, mantêm e colhem as várias unidades na região da cana-de-açúcar. Cumpre entre 16 e 17 horas de trabalho por dia, e repousa 24 horas, quando de fato deveria ser um dia de trabalho de 12 horas seguido de 36 horas de descanso. Sai de sua casa de Narandiba, SP às 3:20 da manhã e atravessa cinco cidades reunindo os trabalhadores, uma viagem de aproximadamente 130 km, chegando ao local de trabalho entre as 7:00 e 7:20 da manhã. Ele permanece lá no campo, à disposição da empresa caso necessário, e sai às 15:20 quando o turno termina, fazendo a viagem de volta para casa por volta das 19:30.

Finalmente, para poder cumprir suas obrigações e transportar a matéria-prima das plantações o mais rápido possível, as empresas de transporte rodoviário contratadas complementam sua frota em períodos de pico de colheita ao contratar uma outra firma, normalmente uma unidade menor com um ou dois caminhões. Caracterizando assim a quarteirização. Em tais situações, a destilaria contrata o proprietário da usina para fornecer cana-de-açúcar, a plantação contrata uma empresa de transporte rodoviário para transportar a matéria prima à medida que é colhida, a empresa de transporte rodoviário subcontrata uma empresa menor em períodos de pico de colheita, e esse empregador procura e contrata temporariamente o ator final dessa rede, o Mal.

Mal (38 anos) nasceu no local, e ‘não tem opção’ a não ser seguir o trabalho para onde for chamado, ‘ou o patrão não nos contrata’. Para garantir o trabalho ao longo do ano e ser favorecido pelo empregador, ele viaja de trabalho em trabalho em todo o estado de São Paulo e frequentemente passa dois meses no estado vizinho de Mato Grosso do Sul. Ao fazer isso, adota o estilo de vida precário dos outros trabalhadores migrantes vindos de longe, buscando sobrevivência nessas seções terceirizadas da indústria de açúcar e etanol e dormindo nos alojamentos dos trabalhadores espalhados pelos dois estados com muitas vezes ‘apenas um colchão para deitar-se, uma jarra de café e uma panela velha para cozinhar arroz e salsicha’. Não surpreendentemente, conforme os depoimentos dos trabalhadores da região demonstram, o coquetel perigoso de sonolência, fadiga e jornadas de alta velocidade na luta para alcançar metas difíceis implica que acidentes afligem a indústria. Em 2011 e 2012, cinco motoristas dos municípios do Pontal de Paranapanema perderam a vida em acidentes de trânsito. Em âmbito nacional, em 2010, o transporte rodoviário de carga matou mais trabalhadores do que qualquer outra indústria. Dados estatais demonstram que 40 por cento de todos os acidentes relacionados ao trabalho no setor no estado de São Paulo entre 1978 e 2008 estavam no transporte.

Embora o estado tenha tentado regulamentar melhor a indústria, de acordo com um sindicato de transporte local, os contratos terceirizados são firmados normalmente entre o agronegócio e um indivíduo ao invés de uma empresa organizada com Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Além disso, eles geralmente são firmados com ausência de acordos sindicais, o que dificulta ainda mais o controle e a supervisão tanto do trabalho organizado quanto do Ministério do Trabalho e Emprego. O resultado é que irregularidades permeiam os contratos de trabalho, de tal modo que objetivos quase impossíveis são definidos, horas extras não são remuneradas e turnos que são mais do que o dobro de horas legais é rotineiramente aceito. A nova onda de contratos temporários e trabalho sazonal inerente aos novos padrões de trabalho agrega maior complexidade a uma indústria que tem sido notoriamente resistente à regulamentação.

Observações finais

O último entrevistado citado acima foi uma das 982.000 pessoas que encontraram um emprego temporário ou informal no setor em 2008 e um dos 10 milhões de estimativa (25%) da população trabalhadora total que são terceirizados, um número que deverá aumentar agora, uma vez que o Congresso brasileiro aprovou o projeto de lei 4.330 liberando a terceirização do trabalho. Em 2010, o transporte rodoviário de carga matou mais trabalhadores do que qualquer outra indústria no Brasil e foi responsável por 40% de todos os acidentes relacionados ao trabalho em São Paulo no período de 1978-2008. Atualmente, os trabalhadores terceirizados representam 80% de todos os acidentes de trabalho envolvendo lesões graves ou morte no Brasil. Com a redução do trabalho manual nas plantações de cana, o número de lesões vem diminuindo no setor de açúcar e etanol de São Paulo; no entanto, com a sua substituição por máquinas pesadas, a gravidade das lesões menos frequentes aumentou e as mortes continuam sendo uma ocorrência anual.

Os depoimentos apresentados aqui dos cortadores de cana e dos motoristas de caminhões remanescentes corroboram pesquisas através dos continentes de que as consequências da casualização e da flexibilidade do trabalho forçado – aspectos-chave da estratégia de terceirização corporativa – serão sentidas nas dimensões de saúde, segurança, proteção sindical, remuneração e segurança (DRUCK, 2016). À medida que as multinacionais se moveram para oeste e norte no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e na região do cerrado de Goiás, a expansão territorial foi acompanhada por uma intensificação do processo de automação, uso de toxinas e manutenção do trabalho contratado e sazonal. Várias dessas dimensões são exploradas nos próximos artigos desta série nas novas fronteiras da produção agroindustrial e energética.

Referências

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Garvey, B. e Barreto, M.J. (2016). At the cutting edge: Precarious labour in the sugar cane fields of São Paulo. (No limite: Trabalho precário nos canaviais de São Paulo). Capítulo no livro a ser lançado, Lambert, R e Herodes, A. (eds.) Globalisation and Precarious Work: ethnographies of accommodation and resistance (Globalização e Trabalho precário: etnografias de acomodação e resistência). Londres: Edward Elgar: Capítulo 5.

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