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04.08.2017

USINA HIDRELÉTRICA DE SANTO ANTÔNIO DO JARI: efeitos socioespaciais na Comunidade Tradicional do Iratapuru, sul do Amapá/Amazônia/Brasil

Karoline Fernandes Siqueira Campos

O artigo retrata parcela das atividades desenvolvidas numa pesquisa exploratória, através dos trabalhos de campo guiados pelos procedimentos metodológicos num diálogo entre a Geografia e a Etnografia, realizados na Comunidade de São Francisco do Iratapuru/AP, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, região sul do Estado do Amapá (Figura 1). O objetivo foi verificar e compreender os efeitos socioespaciais da implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio do Jari e as alterações nos usos do território após a expulsão dos ribeirinhos de seus lugares de vida para a construção do barramento no rio Jari e a construção da nova Comunidade, conhecida pelos moradores como Nova Vila.

Figura 1. Reserva de Desenvolvimento Sustentável do rio Iratapuru - Laranjal do Jari/Amapá/Brasil

Fonte: http://www.sema.ap.gov.br/interno.php?dm=744

A tendência de preservação na região Amazônica, através da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, criou em dezembro de 1997, através da Lei – 0392 – 11/12/1997, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (RDS-I) numa área de 806.184 ha, sendo ampliados para 1.000.000 de hectares. Sua área abrange os municípios de Laranjal do Jari, Mazagão, Pedra Branca do Amaparí, na região sul do Estado do Amapá. A RDS-I do Iratapuru foi uma das primeiras, constituídas no Brasil, que se utiliza do aproveitamento socioambiental de maneira a conservar as riquezas da floresta (OLIVEIRA, 2012). Ainda sobre a criação da RDS-I, Vilhena (2004), afirma que a Comunidade de Iratapuru é a guardiã, usuária e beneficiária da reserva do rio Iratapuru, cuja principal exploração da reserva é a castanha (Bertholletia excelsa), além de outros produtos florestais como copaíba, resina do breu branco (Protium heptaphyllum) etc. Esse beneficiamento é gerenciado por um Conselho de Gestão, que compreende associações e cooperativas de produtores.

A área, historicamente ocupada por ribeirinhos (castanheiros, pescadores, exploradores de produtos da floresta etc., conhecidos como agroextrativistas é de extraordinária beleza paisagística e riqueza de fauna, flora e ictiofauna. Soma-se a isso as cachoeiras no local onde construíram a Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio do Jari, da qual atualmente, resta apenas uma pequena parte.

Segundo relatos locais, a Vila de São Francisco do Iratapuru foi construída a partir da chegada de migrantes e famílias descendentes de migrantes nordestinos, atraídos pela exploração da castanha no início do século XX. A Vila oficialmente foi fundada em 1991, vale ressaltar que grande parte de seus moradores já eram extrativistas na região do rio Iratapuru e que foram se organizando no núcleo atual com a chegada da escola e da energia elétrica (motor a diesel).

Como atividade econômica de expressão na Comunidade, destaca-se o extrativismo, sobretudo, da castanha que é explorada praticamente por todas as famílias entrevistadas. Nesse sentido, a renda média desses trabalhadores agroextrativistas varia ao longo do ano, ou seja, é uma variação associada principalmente, ao período de comercialização da castanha. Mas em geral, segundo informações desses entrevistados, ao longo do ano fica em torno de um salário mínimo vigente em junho de 2017.

Sobre a exploração da castanha, é importante ressaltar que com a constituição da Cooperativa Mista de Produtores e Extrativistas do rio Iratapuru (COMARU), as famílias (61 famílias) que são cooperadas passaram a obter uma renda maior em comparação com as atividades extrativistas individuais, principalmente por conta do contrato firmado com a empresa de cosméticos no Brasil. Outra forma de aumentar a renda das famílias são os programas de transferência direta de renda, direcionado as famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, de modo que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Além disso, a aposentadoria rural contribui para melhorar a renda das famílias que possuem aposentados em seus domicílios (SIQUEIRA CAMPOS, 2016).

O estudo é justificado por ser tratar de um universo com escassa literatura e, portanto, torna-se pioneiro e inédito ao tratar dos efeitos socioespaciais da implantação de um grande projeto hodroelétrico na Amazônia, com consequências diversas para os povos da floresta numa Comunidade Tradicional e suas adjacências.

Na fase de observação diagnóstica para reconhecimento do fenômeno pesquisado e dos sujeitos (identidades, relações sociais, comportamentos cotidianos, práticas de produção e trabalho, interferências de outras culturas etc.), constatou-se que os efeitos espaciais e repercussões socioeconômicas, culturais e ambientais nos usos do território e produtos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru, são secundarizados nos Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais apresentados pelo empreendimento hidroelétrico.

Nas fases da coleta de dados, com a imersão no universo pesquisado, com a convivência na e com a Comunidade, nas conversas informais, no reconhecimento do lugar, no reconhecimento das pessoas, das representações, das lideranças e dos movimentos sociais, percebeu-se que existem peculiaridades. Desde os valores tradicionais, dos acontecimentos históricos, das singularidades dos modos de vida agroextrativista e ribeirinhos comprovou-se que os maiores problemas enfrentados com a construção da UHE de Santo Antônio do Jari, conforme 100% das narrativas das entrevistas e questionários, é a falta de energia, água tratada e dificuldade de acesso para deslocamento das pessoas e das mercadorias, prejudicando o escoamento da produção, nesta ordem respectivamente.

Mas outras impressões sobre os conflitos não anunciados, as reflexões e pontos de vista individual e coletivo sobre a Usina Hidrelétrica e as novas moradias, as dimensões e o uso distintos dos produtos do território como a água, pesca, a castanha, os saberes-fazeres, a fauna e flora, levaram a novas hipóteses de elementos imateriais, (psíquicos, emocionais e afetivos) da desconstrução não apenas do antigo território, mas das relações culturais e da relação intergeracional.

Ao olharmos para a história da Comunidade, ao reconhecermos os principais atores e o protagonismo na reestruturação das novas dinâmicas no espaço, é nítido que houve mudanças locais diante das relações dentro e fora da Comunidade, com novos líderes, com a criação de micropoderes e de rearranjos nos confrontos identitários e tradicionais. Isso implica tramas cotidianos muitas diversificados e latentes, decorrentes da introdução das técnicas/tecnologias, novas ideias, valores e atitudes, a chegada de trabalhadores de diversas regiões do País que aportaram a Comunidade, quando da construção do empreendimento hidroelétrico alteraram, substancialmente, a vida na Comunidade do Iratapuru.

Nas falas, algumas angustiantes, dos moradores, observou-se a necessidade de serem ouvidos e de expor suas ideias, mas acima de tudo, de ter os problemas básicos (energia elétrica permanente, água tratada e acesso seguro e com qualidade) solucionados. Isso demonstra (Re)Existências as complexas questões políticas, institucionais, econômicas e estruturais impostas a Comunidade. O desafio está colocado, ou seja, reconstruir os elos identitários e (re)criar o espaço da vida com sujeitos capazes de alterar/mesclar os padrões impostos pelo empreendimento hidroelétrico e readequar as técnicas e tecnologias em prol da Comunidade, com estratégias eficientes ao bem comum.

As diferenças dos territórios (antes e depois) podem ser observadas na espacialidade da antiga e da nova Vila (Figura 2), pois trazem consigo não apenas os efeitos espaciais previstos nos Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais (EIA/RIMA), mas também, um arcabouço de dinâmicas subjetivas da existência.

Figura 2. Antiga (superior) e nova Vila (inferior).

Fonte: Arquivo pessoal

É constatado que ocorreu a perda do empoderamento territorial e os desdobramentos espaciais afetam os modos de vida. Observou-se muitos adultos envolvidos com o alcoolismo, a falta de perspectiva juvenil, as epidemias e problemas de saúde com os déficits no saneamento básico, ausência da coleta de resíduos sólidos, entre outros. Nas entrevistas percebeu-se o desaparecimento das práticas ribeirinhas (banhos diários no rio, brincadeiras diversas etc.), pois foram reassentados a aproximadamente 500 a 600 metros do rio. As casas são boas, mas muito quentes e merece destaque, a fala dos moradores que disseram ocorrer mudanças na relação com os usos do rio, na interação com a natureza (com os produtos da floresta e seus saberes), desmaterializando uma memória e formas de Existência, condizentes com uma vida plena de sentidos, permeada por racionalidades muito distintas, daquelas trazidas pelo empreendimento hidroelétrico de Santo Antônio do Jari na Comunidade de Iratapuru.

Referências

OLIVEIRA, M.L.R. Reflexões sobre o uso do espaço em comunidades amazônicas: uma análise da comunidade extrativista do iratapuru. Oikos: Revista Brasileira de Economia Doméstica, Viçosa, v. 23, n.1, p. 121-146, 2012.

SIQUEIRA CAMPOS, K. F. Novas dinâmicas territoriais da usina hidrelétrica de Santo Antônio no Vale do Jari: a desconstrução do uso do território e de produtos na RDS do Iratapuru/AP. 2016. 110f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) – Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2016.

VILHENA, M. R. Ciência, tecnologia e desenvolvimento na economia da castanha-do-brasil. 2004. 149 f. Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2004.

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