(…) Desde o princípio, havia uma decisão consciente de Vânia ao recusar a posição tradicional de artista (ou antropóloga) autora-produtora dos registros de campo em favor da atuação como mediadora-interlocutora de outros sujeitos ativos no processo criativo. Nesse sentido, ela aceita ficar numa posição discreta, na sombra, para colocar em evidência o outro, o operário, dando-lhe protagonismo e o direito de manusear o instrumento do artista – o desenho. E veremos, nesse caso, o direito ao desenho é decisão política, mesmo que aconteça na forma ainda de encontros de reparação, tuteladas por um TAC do Ministério Público do Trabalho.
Adauto
Vânia tentou entrar em canteiros, mas foi proibida pelas empresas. Atrás dos tapumes que escondem a obra, o mando sobre os que ali trabalham é de quem contrata e não cede passo. Com apoio de um colega de uma escola pública do bairro de São Miguel Paulista, São Paulo, onde há curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), Vânia conseguiu contatar alguns operários da construção que toparam, na mesma escola, realizar alguns encontros para conversar sobre o trabalho em obra e desenhar. Todos foram remunerados pela artista pelo mesmo valor/hora do seu trabalho em canteiro, e estavam cientes do objetivo dos encontros e da publicação final – o que também servia de estímulo. Os encontros e o processo de produção individual e coletiva foram documentados pelo fotógrafo Tiago Lima.
Marcelo
Sem o objetivo de simplesmente coletar denúncias de violações a direitos, saúde e segurança dos trabalhadores, Vânia, com delicadeza, estimulou-os a pensar mais amplamente em sua condição de trabalhadores, por meio do instrumento narrativo do desenho, com o qual eles não tinham prática cotidiana. Na verdade, operários da construção têm contato diário com desenhos – em geral, não executados por eles, mas por engenheiros e arquitetos. Desenhos como prescrições do que fazer, comandos sobre mentes e braços. Muitas vezes, são desenhos de produtos que não detalham processos, mesmo nos chamados Projetos Executivos. Os procedimentos são conhecidos pelos operários mais qualificados e mestres de obras. Mas quase nunca representam como executar, quais ferramentas utilizar, a ordem de execução, como montar e desmontar etc. São os saberes que sobraram do ofício de construtor, hoje fragmentado e simplificado em rotinas pesadas e sem criatividade, que devem transformar o desenho estático do objeto e construir em movimento concatenado de produção. (…).
Marcio
Trecho do texto escrito por Pedro Arantes para a publicação do Caderno de Campo de Vania Medeiros – projeto selecionado, por meio de edital, para artistas interessados em propor obras que problematizassem as condições de trabalho em canteiro.