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13.08.2016

Outros trabalhos: Boa Vista

Raquel Garbelotti

Boa Vista1 e a imagem-tempo

O projeto consistiu na documentação2, de três estações de trem situadas no eixo Rio de Janeiro e São Paulo (Agulhas- Negras e Engenheiro Passos no Rio, e Queluz em São Paulo). As imagens captadas apresentam o abandono das edificações e perda das funções originais desses espaços. Uma delas, tornou-se residência dividida por várias famílias, e outra encontrava-se fechada. Essas imagens apresentam um estado de tempo em iminência, pois muito pouco ocorre na sequência de imagens – paradas, quase fotográficas. As mútiplas vistas em constante looping, de cada uma das estações, documentam as fachadas e o redor delas, buscando reconstituir o espaço arquitetônico e seu em torno. O título Boa Vista refere-se ao primeiro nome dado a Estação Engenheiro Passos, mas também a algo nostálgico, do passado destas edificações. Esta ferrovia quecompreende as edificações documentadas, passa ao lado da Rodovia Presidente Dutra3ou BR 1164, e faz a ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O som proeminente que se ouve na trilha de cada vídeo, é o desta Rodovia. Na edição5 da trilha sonora, juntamos o som de cada uma delas, sobrepondo e construindo uma trilha comum aos três vídeos.

Boa Vista. Still dos vídeos. Raquel Garbelotti.

A espacialização deste projeto, ocorreu pela primeira vez no pavilhão da Bienal de São Paulo. O projeto consistiu numa sequência de três vídeos, projetados na altura dos rodapés da sala. Foi construído para a instalação, uma sala de 20 metros quadrados, e os vídeos foram assim projetados em três diferentes paredes. A idéia de apresentar os vídeos em escala reduzida próximo ao chão, foi de aproximar as imagens à modelos ou maquetes, identificando-as com a disfunção original destas arquiteturas e a possibilidade de montagem das partes pelas diferentes vistas, como na idéia de um modelo. No chão da sala foram colocados almofadas grandes, para que o espectador pudesse sentar-se ou até mesmo deitar-se para ver as imagens. A video-instalação pensava as políticas de representação do projeto desenvolvimentista. Embora as imagens apresentassem as estações, o som era basicamente constituído pelo fato sonoro contínuo da Rodovia Presidente Dutra. Em alguns pontos do video, pode-se ouvir o som do trem (cargueiro) na trilha comum que reúne a os três videos – o que passa tanto nas imagens de Queluz como nas de Engenheiro Passos e Resende.

Ao documentar o lado oposto ao da Rodovia, o das estações de trem, temos imagens durativas e poucas situações de ação ocorrendo. O que ouve-se no entanto, é a proeminência sonora da Rodovia, que nos vídeos não se vê. Ocorre portanto certa disjunção entre imagem e fato sonoro. Aqui podemos pensar, na idéia de hegemonia como proeminência de um fato. Neste sentido temos o fato sonoro, que é o da Rodovia Presidente Dutra. Porém, as imagens durativas das estações, provocam a disjunção entre som e imagem introduzindo o elemento antagônico ou disjuntivo. O som local, é realmente abafado pela Rodovia, principalmente na estação de Resende. Na de Queluz, pela localização mais afastada da Dutra, não se ouve o som desta Rodovia. Dada a edição sonora, que amalgama todas as três trilhas, temos o som da Rodovia como um dado constante da trilha final. Neste sentido, o som desta Rodovia é o fato hegemônico (que produz uma “imagem” ou presença constante da Rodovia, mas que não aparece enquanto imagem nos vídeos) da instalação. Creio ser, nesta relação sonora com as imagens durativas e quase fotográficas das estações, que ocorra o fator antagônico e disjuntivo que pode ser traduzido aqui como forma política de representação, na medida em que a instalação não constitui um ponto de vista privilegiado, mas problematiza as instâncias desse lugar total da representação – sobretudo do desenvolvimentismo no país. O fato sonoro produz também, uma condição para pensarmos a face invisível daquelas arquiteturas; sua constância nos vídeos e sua presença-ausência, que podem produzir outro espaço narrativo. De certa forma, a narrativa que justificaria a produção daquelas imagens, não se dá de forma linear, mas subentendida a estratégia instalativa das imagens.

Boa Vista. Still dos vídeos. Raquel Garbelotti.

Notas de Rodapé

  1. Este projeto é composto por três videos e um livro. O livro é um lugar de atualização desta obra e não uma documentação da mesma.

  2. Colaborou com este projeto Orlando Maneschy, realizando esta documentação.

  3. A Via Dutra é considerada a rodovia mais importante do Brasil, não só por ligar as duas metrópoles nacionais, mas bem como atravessar uma das regiões mais ricas do país, o Vale do Paraíba e ser a principal ligação entre o Nordeste e o Sul do Brasil.
  4. A primeira ligação rodoviária entre o Rio de Janeiro e São Paulo foi aberta pelo governo do então presidente Washington Luis e inaugurada a 5 de maio de 1928. Em 1938 foi inaugurado o Monumento Rodoviário da Rodovia Presidente Dutra.
No final da década de 1940, a industrialização e a necessidade de uma ligação viária mais segura e eficaz entre as duas maiores cidades brasileiras levaram à construção da atual Via Dutra, inaugurada em 19 de janeiro de 1951 pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. A BR-2, como era conhecida então, possuía pista simples em grande parte do seu percurso, e só era duplicada nos trechos entre São Paulo e Guarulhos, e na Baixada Fluminense. Durante a década de 1960 a pista foi duplicada em vários trechos. Em 1967 foi entregue a via duplicada em toda extensão, tornando-se a principal autopista do país.Na década de 1980 o tráfego na Dutra foi aliviado pela construção, pelo governo paulista, de uma via expressa entre São Paulo e Guararema, denominada de Rodovia dos Trabalhadores, atual Rodovia Ayrton Senna. Esta via foi prolongada na década de 1990 até à cidade de Taubaté, sob o nome de Rodovia Governador Carvalho Pinto. Diversas personalidades faleceram em acidentes na Via Dutra, tais como Francisco Alves (1952), na altura de Pindamonhangaba e o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1976), nas proximidades de Resende. Em março de 1996 a operação da rodovia foi concedida e atualmente é administrada pela empresa Nova Dutra S/A, a qual realizou obras de melhoria e ampliação da pista, como marginais em São José dos Campos.
  5. A edição de som e imagem foi realizada por Wagner Morales.

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