Desenvolvido no âmbito do Conselho Técnico da Escola da Cidade como projeto de reparação coletiva indireta, o Contracondutas buscou responder, por meio de diversas ações político-pedagógicas, parte das questões abertas pela fiscalização e flagrante de situações relacionadas ao trabalho análogo a escravo em uma grande obra em Guarulhos, o Terminal 3 do Aeroporto Internacional. Assim, por decisão do Ministério Público do Trabalho de Guarulhos, parte da verba do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), endereçado à construtora OAS, foi destinada à Associação Escola da Cidade, para a elaboração de um projeto que problematizasse e impactasse o debate público sobre as grandes obras de infraestrutura, a migração e o trabalho análogo a escravo na contemporaneidade.
Em meio a esse amplo escopo de atividades e ações, a maior parte das pesquisas acadêmicas aqui apresentadas foram estruturadas coletivamente por um grupo de professores que responderam à convocação aberta a todo o corpo docente da Escola da Cidade, e foram desenvolvidas por alunos de graduação selecionados em dois editais – um interno, voltado exclusivamente a alunos de graduação da Escola da Cidade e outro que convidava alunos de outras faculdades de todo o Estado de São Paulo a participarem, sempre acompanhados por professores co-orientadores pertencentes aos quadros de sua instituição de origem.
Em sua terceira edição, a revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade assume um perfil particular e certamente especial: trazer a público através da produção de alunos de graduação, parte das atividades desenvolvidas entre maio de 2016 e fevereiro de 2017 pelo projeto Contracondutas.
Em meio desse procedimento, mas também de outros diálogos e parcerias estabelecidas pelo projeto de forma mais ampla, ao grupo dedicado à pesquisa acadêmica do Contracondutas sediado na Escola da Cidade, somou- se gradualmente uma rede expandida de professores e alunos de outras faculdades do Estado de São Paulo, que trabalharam conjuntamente de forma a adensar o debate, problematizar e comunicar de forma abrangente a situação do trabalho análogo ao escravo na indústria da construção civil, refletindo sobre seus rebatimentos na produção da arquitetura e do planejamento urbano de infraestrutura na escala do território nacional.
O projeto Contracondutas foi idealizado por uma equipe interdisciplinar de profissionais com duração prevista de um ano (maio de 2016 a maio de 2017), operando como dispositivo que atravessa diversas atividades didático-pedagógicas da Escola da Cidade – tais como o Seminário de Cultura e Realidade Contemporânea, o programa de Iniciação Científica, disciplinas regulares de Meios de Expressão que tratam das relações entre Arte e Arquitetura e o Estúdio Vertical –, ao mesmo tempo em que incorpora e provoca indagações acadêmicas, jornalísticas e artísticas, projetando-se em direção ao debate público do tema e de suas repercussões na cidade, nas relações sociais, na ocupação do território, nos fluxos migratórios, nas políticas públicas e nas produções culturais. Entre tais ações previu-se a realização de intervenções de interesse público como forma efetiva de envolver outros agentes nos debates e na proposição de atuações.
Cabe destacar que tanto a articulação e montagem dessa rede de pesquisa quanto a possibilidade do oferecimento e realização de estágios em pesquisa para alunos de graduação no âmbito do projeto Contracondutas – a partir da aproximação entre os Conselhos Técnico e Científico da Escola da Cidade – trouxeram diversas possibilidades e desafios que em muito enriqueceram as práticas em curso do Programa de Iniciação Científica dessa Instituição. O financiamento externo e público, embora não das tradicionais agências de fomento, trouxe tempos mais curtos e dinâmicas distintas, bem como um renovado senso de responsabilidade frente ao Termo de Ajustamento de Conduta que deu origem ao projeto. A aproximação com o universo gráfico e com o campo das artes, assim como a necessidade permanente de extroversão em meios e mídias distintas presentes no Contracondutas de forma mais ampla, ofereceu um caráter mais experimental às investigações, reforçando as pesquisas com esse caráter já comumente realizadas junto ao Programa de Iniciação Científica da Escola da Cidade. A construção de uma ampla rede de pesquisadores de níveis diversos, a partir de seus interesses particulares e previamente desenvolvidos, trabalhando coletivamente para a construção de linhas temáticas que respondessem a uma demanda social específica, configurou tarefa árdua – inclusive do ponto de vista de gestão –, mas possibilitou ricos e profícuos diálogos.
As linhas de pesquisa que organizaram a investigação científica desenvolvida junto ao Contracondutas foram:
(1) Belo Monte, uma cartografia da ausência – os beiradeiros atingidos; (2) Desconstruindo o canteiro: o caso do Terminal 3 – Aeroporto de Guarulhos; (3) Análise crítica da Pré-Fabricação e seus canteiros de obra – os casos do Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos e do Centro Internacional SARAH de Neurorreabilitação e Neurociências (RJ); (4) Arquitetura e cidade na era do capital financeiro – os espaços aeroportuários; (5) O grande canteiro: um estudo antropológico.
A partir do diálogo estreito com o contexto ampliado de pesquisas e atividades do Contracondutas, este terceiro número do Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade procura evidenciar aspectos relevantes para uma reflexão crítica dos repetidos episódios de trabalho análogo à escravo denunciados pela justiça junto à construção civil. Busca-se assim, a partir da ampliação do escopo de análise, apontar e problematizar aspectos que, em escalas diversas, relacionam sistemas econômicos, dinâmicas produtivas, processos de urbanização, projetos arquitetônicos e condições de trabalho. Para além de um caráter de denúncia ou de respostas imediatas, o objetivo central é criar um corpo crítico de estudos capaz de formular, novos questionamentos acerca das lógicas que levam direta ou indiretamente à permanência dessas condições degradantes de trabalho, bem como gerar novas práticas transformadoras em condutas já correntes.