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25.05.2016

Luiz Felipe de Alencastro: Escravismo ontem e hoje

Joana Barossi

No âmbito do Projeto Contracondutas, Luiz Felipe de Alencastro é convidado para fazer uma introdução sobre o Trabalho escravo na história do Brasil.

Alencastro não traçou uma linha contínua entre a escravidão colonial e aquela que ocorre no presente. Apesar do fato de a exploração do trabalho humano tenha ocorrido e seguirá ocorrendo enquanto houver capitalismo, ele divisa dois sistemas distintos. Aquele sistema escravista que aconteceu no Brasil colonial criou raízes profundas em nosso sociedade, e é apontando estas sequelas que Alencastro conduz sua fala.

Inicia por introduzir dois conceitos que com frequência são confundidos e que fundamentam o rumo da discussão: escravidão e escravismo. Escravidão é a possibilidade jurídica de alguém ser proprietário de uma outra pessoa e isso pode ocorrer num regime de exceção. Escravismo é um sistema no qual a propriedade escrava é predominante, a ponto de a produção nacional estar toda vinculada a tal sistema. E esse sistema escravista só aconteceu de fato nas Américas.

Como exemplo, Alencastro toma a tentativa dos franceses, cuja tradição jurídica sempre fora enfática, de elaborar uma legislação para o escravismo. O preâmbulo desse corpo de leis chamado Code Noir,1 escrito por Colbert em 1685, trata de uma regulamentação do escravismo especificamente para os territórios americanos. Os franceses não estavam interessados em universalizar esse tratado, dado que o escravismo como sistema ocorria apenas nas possessões francesas na América e não na África, por exemplo.

Porém, o sistema escravista como tal se tornou central em dois países apenas, no sul dos EUA e no Brasil – sendo de caráter ainda mais agudo no Brasil do que no sul dos EUA, por ser uma escravidão nacional e não regional. Os demais territórios da América eram colônias nas quais o escravismo não constituía uma instituição central, a sociedade não dependia desse sistema e a escravidão foi sendo abolida progressivamente.

É interessante notar que no século XIX, em 1808, nações bastante envolvidas com a economia do mercado negreiro, a Inglaterra e os EUA especialmente, saem do trafico de escravos, por razões internas, e acabam deixando toda essa rede de comércio na mão dos negreiros luso-brasileiros. À vista disso, o Brasil herda toda rede e logística do tráfico que havia sido montada durante 200 anos e se torna o maior importador de escravos africanos na América. O Rio de Janeiro se converte na cidade de maior concentração de escravos da época moderna2 e no maior porto negreiro do continente.3

Há uma contradição atroz que emerge dessa situação, visto que o Brasil, no século XIX, enquanto ainda cultivava uma economia baseada no sistema escravista, procurava uma modernização do ponto de vista do direito. Desde a legislação do Iluminismo, já havia a noção de que a tortura e a pena de morte eram tratamentos degradantes e incivilizados e, desde então, há uma progressiva substituição da justiça privada pela autoridade pública e pelo sistema carcerário. No entanto, os princípios modernos do direito universal parecem inviáveis e contraditórios em um sistema escravista. O mesmo ocorre para a legislação civil, pois a igreja católica permitia o casamento entre escravos, no entanto este casamento não tinha nenhum valor jurídico. Estas adaptações e exceções são os elementos que Alencastro chama de “modernização do escravismo”. Todo o processo de constituição das instituições nacionais teve de incorporar a escravidão, já superada na maioria do planeta, para a qual não havia sequer uma legislação específica. Evidentemente esse paradoxo origina contradições nos tribunais e na concepção de nação.4

No Brasil, último país a abolir a escravidão, a violência efetivada sobre algumas gerações de brasileiros do século XIX cria uma situação bastante peculiar do ponto de vista da história e da sociologia. Essa violência difusa, cotidiana, doméstica é algo que permanece no horizonte de nossa sociedade e se manifesta em distintas violências como a da polícia, por exemplo.5

Para cada português que entrava no país naquela época, entravam 6,5 africanos. O Brasil, portanto, foi constituído basicamente com trabalho africano, população africana e DNA africano. Hoje somos uma nação cuja maioria da população se auto declara afro-descendente. O que torna o Brasil o país com maior população negra fora da África. Não obstante, a relação do Brasil com a África ainda é muito mal conduzida, basta tomar como exemplo a irrelevância que tem os estudos sobre o continente africano no ensino básico.

Alencastro finaliza sua fala, não por acaso, oferecendo um histórico do processo de implantação das cotas para negros nas universidade públicas e frisa que este talvez seja dos maiores logros do país nos anos 2000. Porém chama atenção para o fato de que a juventude brasileira de classe média que frequenta as universidades, comparada a de outros países onde lecionou, cujo ensino médio é mais estruturado e homogêneo, é uma juventude protegida da realidade brutal do país. Ele acredita que a violência é uma espécie de cegueira: a incapacidade que temos de ver o outro se torna um componente obscurante que contribui para a questão do Trabalho escravo contemporâneo6. Deste modo, a violência e a consequente escravidão contemporânea, resulta ser uma questão de consciência social e de debate público.

Para assistir ao seminário completo clique aqui.

MATERIAIS PARA APROFUNDAMENTO

 

Autores mencionados por Alencastro durante a palestra:

Machado de Assis / Rui Barbosa / Luiz Gama / Antônio Gonçalves Dias / Joaquim Nabuco / Jose de Souza Martins

 

Livros e textos mencionados por Alencastro durante a palestra:

Antonio Gonçalves Dias, Meditação.

Machado de Assis, Pai contra mãe

Coluna jornal escrita por Luiz Felipe de Alencastro, A vitória amarga de Luiz Gama

 

Sites sugeridos:

Slave Voyages

Notas de Rodapé

  1. http://www.axl.cefan.ulaval.ca/amsudant/guyanefr1685.htm
  2. Num senso feito em 1848, havia cerca de 110 mil escravos para 260 mil habitantes.
  3. Alencastro fez menção a um fragmento de prosa poética chamado Meditação, 1945, de Gonçalves Dias, no qual o poeta lança um olhar sobre o que o Brasil monárquico não conseguiu dissimular: realidade do cativeiro dos escravos negros. 
  4. Alencastro comenta e recomenda a crônica de Machado de Assis chamada Pai contra mãe, que narra um evento simbólico dessas contradições do escravismo no Brasil.
  5. Relato crítico de Margareth Rago
  6. excerto de José de Souza Martins sobre escravidão contemporânea.

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