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16.11.2016

Flavia Scabin + IdLocal GVCES: Grande obras e licenciamento

Vitor Pissaia

A humanidade hoje é a maior força de transformação no planeta. Movemos mais terra que todos os rios do mundo juntos; nossos corpos e de nossos animais domesticados já ultrapassam em biomassa a soma de todos os outros seres vivos. Ainda que seja um alerta, um lembrete do sangue de deus em nossas mãos, a tentativa de retorno a um tempo idílico não é uma opção. Muito menos o é nos mantermos ingênuos quanto às intenções dos discursos e do emprego das técnicas. Como aponta Daniela Gomes em sua fala neste seminário do Contracondutas, as grandes intervenções humanas deviam ser analisadas como catástrofes.

Por mais que seja carregada de significados negativos, a palavra catástrofe designa perfeitamente a responsabilidade humana com o ambiente. Em seu texto Rodas, Villém Flusser sugere que, se a catástrofe é uma ruptura com a ordem natural das coisas, a primeira roda d’água projetada por um babilônico para desviar um rio seria o primeiro evento catastrófico produzido por mãos humanas. Desde então viemos até aqui operando dessa maneira: selecionando plantas, domesticando animais, construindo cidades, armazenando informações, produzindo artifícios que nos separam do mundo natural e, que em última instância, nos fazem esquecer da morte.

Pensar o ato de projetar como o ato de produzir catástrofes joga luz nos dilemas do prospectar o futuro. Deixamos de encarar o desenho das coisas de um ponto de vista iluminista – no qual a racionalidade nele imbuída nos levará para um futuro certamente melhor, montado em nossos cavalos de ferro e vapor balizados pelos trilhos do progresso – e passamos a ver também sua face monstruosa.

Depois da queda do Pruitt-Igoe a confiança no projeto arquitetônico modernista ruiu e isso abriu espaço para novas abordagens, inclusive o não projeto. Ao mesmo tempo, projetar passou a ser visto como um ato autoritário. E convenhamos, é de fato.

A existência humana na terra é mediada pela linguagem. Desde essas palavras que você lê nesse momento, a superfície que às contêm, os objetos ao seu redor, até os conceitos que você e eu mobilizamos agora para nos comunicarmos à distância, tudo compõe uma paisagem artificial que nos permite navegar pelo mundo. Leituras parciais desse território nos permitem identificar símbolos correlatos e isolando-os produzimos pequenos diagramas, mapas celestiais destas constelações de signos, que nos permitem prospectar o futuro e continuar navegando por terra incógnita. Mas diagramas não são a realidade. Ainda que tentemos formulá-los a partir de modelos e submetê-los à realidade ou partirmos de indícios para formar o todo, faltam-nos dados, afinal a linguagem é a barreira que nos impomos para superar outras barreiras. E é sobre esses vazios que deitamos nossos projetos.

Ao projeto cabe ressignificar esses signos, alterar a superfície do território. É uma ferramenta da qual não deveríamos abrir mão e sim encarar suas vicissitudes. Projeto não é só a linha desenhada ou o objeto construído. Projeto é também decidir se a linha vai ser desenhada, o modo como o objeto vai ser construído, quais dados serão considerados, quais as instituições que participarão das decisões, o que é o objeto e o que é mera contrapartida, o entendimento das condicionantes e dos limites, além de outras coisas que esse texto não dá conta e daquelas que nos fogem pelo canto do olho. Assim, manter bancos de dados sobre porções do território desatualizadas, não industrializar certos setores da construção civil, ou a construção de quarenta prostíbulos no meio da floresta amazônica, também são projetos, ou partes de projetos, produzidos e reproduzidos por nós.

O projeto em si não é bom nem mal. Não é progressista nem conservador. Muito menos é garantia de um mundo melhor a posteriori. Projeto é um conceito ambíguo que, retirado da embalagem iluminista, devemos manipular com cuidado. Não podendo ser reclamado por nenhuma disciplina como sua posse, a multidisciplinaridade e a diversidade de participantes são não só necessárias como bem vindas, a fim de minimizar os vazios e fomentar o compartilhamento de responsabilidades num processo democrático. Mesmo sabendo que a soma de diagramas não representa a totalidade do mundo.

Admitindo suas incongruências, seus limites e suas contradições, o ato de projetar ainda é uma ferramenta poderosa de transformação. Livres do maniqueísmo, conscientes da responsabilidade de estarmos além do bem e do mal, podemos caminhar para outro tipo de futuro, reconfigurando o mundo, uma catástrofe por vez.

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