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Desconcertando a repetição

Maria Fernanda Sader Basile

O trabalho teve como ponto de partida inquietações que me suscitaram ao longo desses anos de graduação. Foram e são inquietações, na maior parte, a respeito da distância – impossível de ser nula – entre o que existe no espaço onde habitamos e o modo como lemos e representamos esse espaço para projetarmos novos. Em outras palavras, são inquietações a respeito da relação entre realidade e projeto, entre usuários e arquitetos, entre modos de vivenciar e modos de conceber. Por mais que nós, arquitetos, nos esforcemos na tentativa de criar formas e funções pré-desenhadas e pré-estabelecidas, os espaços existentes possuem uma natureza dual, onde dois fenômenos distintos existem em um mesmo estado de coisas: primeiro a concepção do arquiteto, em seguida a vivência do usuário que transforma os significados. Primeiro idealiza-se o objeto garfo, em seguida podemos usá-lo como se fosse uma colher.

Nesse sentido, procurei desenvolver uma arquitetura que se fizesse assim: na consciência de que existe uma distância entre concepção e vivência e na tentativa de aproximar, portanto, a concepção da vivência. Ou seja, no contraponto entre o ato de conceber e o ato de vivenciar, tentei encontrar a confluência possível entre o ato de conceber e o ato de vivenciar.

Sob essa tentativa, estabeleci três direções para deselvolver o trabalho. São três livretos, três momentos de reflexão a respeito do espaço, sendo dois deles constituídos de textos imagens e referências e um deles de um projeto. Cada livreto trata de um “determinado” tipo de espaço. São espaços que inexistem separadamente e são constantemente contaminados um pelo outro, assim como foi meu processo de trabalho: entre idas e vindas fui desenvolvendo cada um aos poucos.

O primeiro livreto – dedicado às minhas reflexões – trata do espaço referente a todas as relações e interações físico materiais que ocorrem no e ao longo desse mesmo espaço. É o espaço que exercemos, ocupamos, habitamos, experenciamos, vivemos, praticamos, animamos. É o espaço dos fluxos e das ações. Nele, eu abordo a preocupação em entender e problematizar como alguém ocupa fisicamente um espaço e até que ponto as condicionantes físicas determinam usos e movimentações. Trato o espaço, sempre como espaço de apropriação, como uma geometria habitada, aberta a transformações pelos usos. Isso pois podem ser encontrados novos sentidos para as materializações: a escada vira banco, o pilar vira encosto, a janela vira memória, a memória vira ação. E assim, podemos entender que os espaços são criados, tanto pelo arquiteto como também pelos usuários.

O segundo livreto – também dedicado às minhas reflexões – trata das representações do espaço, que compreendem todos os signos e significados, códigos e conhecimentos que permitem falar sobre as práticas materiais e compreendê-las. É o espaço da linguagem, da prática real do pensamento. É o espaço que simbolizamos, descrevemos, compreendemos, percebemos, traduzimos, verificamos. É o espaço das narrativas, das representações. Nele, faço uma tentativa de apresentar a mobilidade dos significados, como um pode significar vários, como existem diferentes camadas significativas possíveis para um mesmo espaço.

O terceiro livreto – esse dedicado a um projeto que dialoga com as reflexões – trata do espaço das invenções mentais, que imaginam novos sentidos ou possibilidades para práticas espaciais. É o espaço que elaboramos, concebemos, direcionamos, planejamos, imaginamos, criamos, inventamos. É o espaço dos desejos, das projeções. Nele, escolho um lugar como pano de fundo pra pensar espaços móveis e polivalentes, passíveis de significações e apropriações. O lugar escolhido está entre as descidas para o Vale do Anhangabaú, é um terreno livre com declive e, por isso, um lugar com potencial para passar e estar. Me utilizei, então, desses dois verbos – passar e estar – para pensar um programa aberto, a partir ações e não de funções, a partir de ações com valores intermediários  entre o passar e o estar. São eles: andar, passear, correr, parar, encostar, sentar, conversar, etc… São significações possíveis para um mesmo elemento arquitetônico. Dentro de um plano de interevenção para o terreno, proponho 4 situações de projeto que permitem certa mobilidade, tanto na possibilidade de significações como também em seus mecanismos físicos. A primeira tem como elemento a cobertura, passível de proteger, iluminar, contemplar, etc… A segunda tem como elemento o Monumento a Verdi – escultura pré existente no terreno – e o encontro com o novo, passível de deitar, encostar, acomodar, etc… A terceira tem como elemento o degrau, passível de sentar, olhar, conversar, etc… A quarta e última situação proposta tem como elemente o patamar, passível de apoiar, descansar, brincar, etc…

Acho que a separação desses três tipos de espaço nesses três livretos, no final, foi um método que estabeleci para pensar junto o projeto e minhas reflexões. E uma tentativa de contemplar o que enxergo no espaço da vivência e nas significações possíveis do espaço, no espaço do projeto. Fiz esses três cartazes, referentes a cada livreto, para ilustrar um pouco de cada um. Então, no terceiro, referente às situações de projeto, mostro como de alguma forma materializei espaços móveis fisicamente e mais propícios a mobilidade de usos e significações. Assim como no segundo, referente ao catálogo de homônimos que construi ao desconstruir e taxonomizar a cor azul de um quadro do Pollock, tentei demonstrar as possíveis variações sobre mesmos temas: pontos, linhas e emaranhados. E no primeiro, como os passos que constituem um caminho de uma pessoa são sempre qualitativos, e não dependem de qualquer receptáculo físico, atribuem usos e significados na medida em que se apropriam dos espaços.

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