Perguntei aquele dia ao meu amigo quem era Paulo Arantes. Ele me disse: O Profeta do Apocalipse. Não é sempre que se tem a chance de ouvir um oráculo, de poder vislumbrar uma fração fractal do cosmos, correndo o risco de segurar na ponta dos dedos uma revelação. Era fim de junho, toda a situação do país andava já em suspenso, mas não sei se essa fala teria me acometido menos caso tudo aparentasse estar bem. Reassistindo agora em vídeo percebo que não há nada de hermético na fala dele, pelo contrário. Paulo Arantes é de uma clareza tão cristalina que seu brilho chega a doer às vistas. Está tudo lá, explicitado para quem quiser ver. Este texto é um anexo, uma bula, em que procuro alertá-los para o que vem na direção daqueles que decidirem assisti-lo. A chave é simples com implicações complexas: após determinados eventos, que podem ser remontados ao início da história, a experiência humana na terra se vê superada e passa a viver nas sombras projetadas por esses acontecimentos. Com nosso prazo de validade estipulado nos resta comprar tempo para prolongar o momento derradeiro.
O primeiro evento é a detonação da bomba de Hiroshima. A era nuclear nos coloca em um estado de emergência no qual qualquer ação humana – política, portanto – é irrelevante. Há um teto segundo ele, um limite que achata o horizonte da política cotidiana, neutralizando suas possíveis ações. A imagem que me ocorre é de uma bomba platônica já em cruzeiro, a uma distância desconhecida do chão que, a qualquer momento, pode obliterar toda a existência. Qual referendo, parlamento, ou decisão ditatorial pode evitá-la? É uma pergunta retórica.
O segundo evento é anterior: acionado pelos motores a vapor da revolução industrial, o aquecimento global não destruirá o mundo num único golpe, mas o consumirá pouco a pouco. Ainda mais trágico, pois, diferente da bomba, ele cria a sensação que é possível revertê-lo com acordos e decisões, novamente, políticas. É possível um capitalismo sustentável? De novo, retórica.
Como toda a boa profecia, essas hecatombes vem do céu, da ira divina, causada pelas ações humanas. Com nossos sistemas de governo convertidos em complexos militares para criar e administrar crises o que nos resta? Para Marx as revoluções são a locomotiva da história; Para Walter Benjamin as revoluções são os freios dessa locomotiva que corre desembestada rumo ao abismo; Para Paulo Arantes, o maquinista está desfalecido.
Isolado um único frame desse vídeo, qualquer um, e olhado como quem folheia uma revista, vemos a figura de um senhor, muito calmo, de óculos e bigode. Vendo-o assim, difícil entender o impacto que aquela figura me causou. Alguns dirão que os mecanismos de defesa do meu cérebro guardaram informações desassociadas daquele dia e, quando expostos novamente a elas, agiram como anticorpos, minimizando seus efeitos. Interessante, mas penso diferente: ver Paulo Arantes falar mediado por telas e autofalantes, num enquadramento de 236 minutos contínuos, dá a falsa impressão ao cérebro de que teríamos outra opção que não a de olhar hipnotizados para aquele profeta do apocalipse durante toda a duração de sua fala.
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MATERIAIS PARA APROFUNDAMENTO
Autores e obras mencionados por Arantes durante a palestra:
- O 18 de Brumário de Luís Bonaparte – Karl Marx
- Rua de Mão Única – Walter Benjamin
- Vinte anos de Crise. 1919 – 1939. – Edward HallettCarr
- Utopia – Thomas Morus
- Ditadura Constitucional – ClintonRossiter
- A Elite do Poder – Charles Wright Mills
- As Causas da 3ª Guerra Mundial – Charles Wright Mills
- O Homem Unidimensional – Herbert Marcuse
- O Ornintorrinco – Francisco de Oliveira
- A Pré-Revolução Brasileira – Celso Furtado
- Sob a Névoa da Guerra – Errol Morris
- O que há de Político na Política – Alexander Kluge e OskarNegt
- A Aventura – Michelangelo Antonioni
- A Noite – Michelangelo Antonioni
- O Eclipse – Michelangelo Antonioni
- Apocalípticos e Integrados – Umberto Eco
- O Fim da História e o Último Homem – Francis Fukuyama